Trabalhar de pijama, discutir Game of Thrones: como é a cultura do Google?
Todo dia, às 9h da manhã, o head de negócios para Varejo do Google Brasil, Vicente Carrari, tem uma reunião virtual com sua equipe. Seria como tantos outros webmeetings causados pelo isolamento social, mas com uma diferença: na dele, todo mundo aparece de pijamas, com café na mão e cara de quem ainda tá "pegando no tranco". É o que ele chama de "Super Fun Meeting", criada só para "simular aquela sensação de chegar no escritório e encontrar todo mundo, que é tão legal".
Carrari não cuida só de negócios para varejo: ele é também um dos pilares do "Culture Club", uma espécie de comitê que ajuda a preservar e aplicar a cultura coorporativa do Google Brasil. A tal da "Super Fun Meeting" (não se preocupe, ela é opcional) foi apenas uma das iniciativas que a empresa encontrou para manter essa cultura viva durante a pandemia, mesmo sem contar com todos os recursos de clima e socialização de sua sede em São Paulo, como refeitórios temáticos, academia, redes para descansar e estúdio de som para uso livre (tudo gratuito).
Os atrativos parecem funcionar: a gigante de tecnologia, atualmente com cerca de mil funcionários, venceu pela sexta vez consecutiva a pesquisa "Empresa Mais Desejada", conduzida pela consultoria Cia de Talentos. Mas, para Carrari, a "cultura Google" não tem a ver com isso. "Ela é um catalisador de grandes ideias", explica. Ele conversou com exclusividade com o UOL Economia.
Como você foi parar no Google?
Eu sou publicitário e tive milhões de empregos diferentes em empresas que quebraram, porque assim era o começo da internet no Brasil. Quando entrei no Google, falavam que eu tinha sido infiltrado pelo Yahoo, nosso concorrente, para ajudar a falir a empresa [risos]. Eu saí da Symantec para o Google porque eu comprava ads [anúncios] e pensei: "deve ser legal lá".
E como a cultura do Google Brasil foi sendo criada desde então?
Foi bem orgânico. A gente pegou muito lá de fora. Já havia Gmail, Google Talk, então era fácil falar com todos. Quando mudamos para um prédio só nosso, na esquina da Av. Faria Lima [em São Paulo], surgiu o espaço de colaboração. Aí fomos tentando adaptar aspectos de lá [a matriz]. Fomos procurar bolas de pilates, por exemplo. Criamos o dia do pijama. Criamos o "bigoday", para incentivar a conscientização sobre o câncer testicular.
Então a referência na matriz foi importante?
A gente sempre foi adaptando, porque a cultura local nem sempre bate com a global. Não é uma decisão do Sundar [Pichai, CEO do Google desde 2015], ou do Larry Page [co-fundador do Google], na época dele: "a cultura é assim". É algo em que a gente trabalha constantemente. Quem saiu há cinco anos talvez não saiba mais como é o Google hoje.
Mas sempre houve a percepção, do lado de fora, de que o Google é uma empresa "divertida" para se trabalhar. É isso mesmo?
Eu falo que ninguém tem "dominguite" no Google. É muito legal acordar segunda-feira e falar: "o que será que vai acontecer esta semana que eu não esperava?" O Google é um caos controlado genial. Você consegue deixar as pessoas fazendo o que elas querem, mas ao mesmo tempo estimula as pessoas a serem ousadas, criativas.
Há quem diga que a mesa de sinuca e o sorvete grátis são só uma distração para o funcionário não notar que trabalha mais horas do que o esperado.
Eu não posso dizer se essa percepção está certa ou errada. Mas minha sensação pessoal é de que não. Se você consegue saber exatamente o que você tem que fazer, você lida com seu próprio tempo da sua própria forma. Uma parte do que o time de cultura faz é explicar que existe essa liberdade, mas existe uma troca: prestar atenção nas demandas do seu trabalho.
Como funciona o All-Hands, a iniciativa semanal de juntar todos os Googlers em torno de um assunto?
É uma ferramenta de comunicação. A gente fala de tudo: de inteligência artificial a Game of Thrones. Pode parecer uma coisa idiota, mas é nessas conversas casuais que você tem os encontros acidentais entre departamentos. Porque, nas empresas, geralmente, quem é de vendas só fala com vendas, quem é de RH só fala com RH? No All-Hands, o cara de finanças, o de RH e de vendas podem conversar e de repente bolar um projeto poderoso. É quase um reator nuclear, em que esses esbarrões que podem gerar grandes ideias.
Como vocês estão lidando com o desafio de manter essa cultura durante a pandemia, quando não há acesso ao ambiente físico da empresa?
O Google sempre estimulou o home office. Minha irmã trabalha na matriz, em Mountain View, nos EUA, e diz que só vai no escritório duas vezes por semana. Mas o [Google] Brasil sempre foi um pouco diferente. O brasileiro gosta de trabalhar junto. O que aconteceu agora é que a pandemia nos fez perder os símbolos, perder os mitos. Aquilo lá [o escritório] é um templo. Você vai lá para repetir os seus ritos. Então eles simplesmente mudaram. Meu rito agora é trocar fralda no meio do call.
Mas se a cultura de vocês depende dos "encontros improváveis", o isolamento não atrapalha?
A gente adaptou. Na primeira semana de quarentena, já tinha o Working Fun Home, uma newsletter com dicas de livros, receitas e filmes para funcionários no home office. A gente costumava ter um evento de stand-up a cada três meses, chamado Noogler Disorientation, para tirar sarro do dia-a-dia no Google. A última, fizemos online, sem palco. Nossa maior mensagem foi que podemos continuar nos conectando e falando as mesmas besteiras que falamos no escritório. Mas a gente mesmo é que tem que fazer acontecer.
O Prêmio Lugares Incríveis para Trabalhar é uma iniciativa do UOL e da Fundação Instituto de Administração (FIA) que vai destacar as empresas brasileiras com os mais altos níveis de satisfação entre os seus colaboradores. Os vencedores serão definidos a partir dos resultados da pesquisa FIA Employee Experience, que vai medir o ambiente de trabalho, a cultura organizacional, a atuação da liderança e a satisfação com os serviços de RH. As inscrições estão abertas até o dia 12/9 e podem ser feitas, gratuitamente, no site da pesquisa FIA Employee Experience.
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