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Empresas ajudam funcionário com crédito e educação financeira na crise

O endividamento e a desorganização das contas afetam a visão que o profissional tem do trabalho e o seu desempenho - Getty Images/iStockphoto
O endividamento e a desorganização das contas afetam a visão que o profissional tem do trabalho e o seu desempenho Imagem: Getty Images/iStockphoto

Denyse Godoy

do UOL, em São Paulo

04/05/2021 04h00

Em 2019, a startup de produção de softwares de gestão e marketing para pequenas e médias empresas RD Station, que fica em Florianópolis, começou a notar um grande aumento nos pedidos de antecipação do 13º. salário e de venda de períodos de férias pelos funcionários. O movimento soou um alerta entre os gestores, por sinalizar que a situação financeira dos colaboradores estava complicada. Pior ainda porque a idade média dos empregados fica entre 26 e 27 anos - cedo demais para se enrolar com os boletos. Os líderes saíram, então, em busca de maneiras de ajudar os funcionários a colocar as contas em ordem.

Ao final daquele ano, a RD Station fechou um acordo com outra startup catarinense, a Leve, para oferecer aos seus colaboradores o crédito consignado, muito mais barato do que o rotativo do cartão de crédito, por exemplo. Assim, o funcionário poderia trocar uma dívida cara por outra com custos menores e se reequilibrar financeiramente. Não poderia ter havido melhor momento para implantar o benefício. Logo depois, teria início a pior crise mundial desde a Segunda Guerra, que afetaria o orçamento de muita gente. Mesmo quem conseguiu manter o emprego se viu de repente tendo que sustentar a casa sozinho ou ajudar a pagar o tratamento de saúde de um familiar. O programa de consignado da startup de softwares deu muito certo, atraindo até quem estava com as contas em dia mas aproveitou para quitar outras dívidas como o financiamento imobiliário.

"Sempre tivemos uma cultura de prezar pelo bem-estar do funcionário. Sabemos que, para o indivíduo ser a sua melhor versão, precisa estar bem em todas as partes da vida", diz Raphael Duarte, diretor administrativo e financeiro da RD Station. "Tudo está interligado. O equilíbrio financeiro respinga positivamente em outras áreas."

O crédito consignado tem acomodado bem os imprevistos da pandemia. "O funcionário que teve a jornada e o salário reduzidos ou que perdeu parte das comissões que costumava receber pode tomar um empréstimo com custo baixo para reorganizar a vida", diz Andrea Poffo Palma, gerente geral de crédito da financeira Credisim, que é especializada em crédito para o trabalhador e faz parte do mesmo grupo do UOL. Palma conta que a financeira concede períodos de carência de até 90 dias para o pagamento das parcelas, de forma que o tomador tenha tempo realmente para se adaptar às mudanças. "Essa foi uma maneira que encontramos de apoiar o trabalhador na pandemia", afirma.

Da mesma forma, as preocupações com boletos e dívidas afetam negativamente a visão que o profissional tem da organização e do seu emprego, o que prejudica o desempenho - especialmente quando a rotina fica caótica, como na pandemia da covid-19. A pesquisa FIA Employee Experience, que serve de base para o Prêmio Lugares Incríveis Para Trabalhar, uma parceria da Fundação Instituto de Administração com o UOL para reconhecer as empresas com as melhores práticas em gestão de pessoas, mostra como os colaboradores que estão enrolados com as contas encaram o trabalho de forma pior.

A edição 2020 da pesquisa foi realizada no segundo semestre do ano passado. A avaliação mais negativa dada pelo conjunto de funcionários das 100 empresas mais bem colocadas no ranking que dizem que suas dívidas estão descontroladas (5,2%) é sobre quão justa é a remuneração variável ou a participação nos lucros da empresa. Depois vem a opinião sobre quão justo é o salário pago. As respostas desses colaboradores a tais questões ficam respectivamente 38,59 pontos e 36,3 pontos abaixo da média de todos os profissionais que participaram do levantamento - 75,1 pontos e 77,2 pontos de um máximo de 100, que significa o máximo de aprovação.

Raphael Duarte, RD Station - Divulgação - Divulgação
Duarte, da RD Station: a empresa busca entender as decisões financeiras dos funcionários
Imagem: Divulgação

Entre os funcionários que afirmam não ter pendências financeiras e conseguir guardar dinheiro (21,7% dos respondentes), as maiores desaprovações dizem respeito aos processos e à organização da empresa. A nota desses profissionais para a participação na definição de metas para o seu trabalho ficou 6,29 pontos abaixo da média dos funcionários das 100 melhores, 82,7 pontos. Para a assertiva que relaciona o volume de trabalho à duração regular do expediente, a avaliação foi 5,03 pontos abaixo da média de 77,6 pontos.

A tranquilidade financeira não afeta somente o desempenho em um emprego como pode influenciar no direcionamento da carreira. "Quanto mais endividado está o profissional, mais vai pautar suas decisões pelo dinheiro", diz Lina Nakata, professora da FIA. "Se o colaborador estiver insatisfeito com o chefe, porém achar bom o salário, pode ficar num emprego desgastante. Mudanças de empresa também podem ser feitas considerando apenas a remuneração. Quem tem liberdade financeira se sente mais dono da sua carreira."

As 100 organizações mais bem colocadas na pesquisa também oferecem mais benefícios financeiros do que as empresas que não ficaram entre as melhores. Das que receberam as melhores avaliações, 4% dão financiamento para acesso à moradia para os funcionários que não são gestores, contra 1% das não classificadas no grupo das 100 melhores. A disponibilização de acesso a crédito para não-gestores é um benefício de 42% das 100 empresas mais bem avaliadas, comparadas com apenas 14% das que tiveram colocação pior no ranking. Plano de previdência privada é oferecido por 38% das melhores, contra 8% das demais. "O trabalhador que está com problemas financeiros rende pela metade", diz Palma, da Credisim. "Se não tem nenhum tipo de suporte da empresa, fica se sentindo desassistido." Na crise, a Credisim viu clientes pedir crédito para ajudar a montar um negócio para o cônjuge que ficou desempregado, para comprar remédios caros cujo fornecimento gratuito foi interrompido pelo Sistema Único de Saúde (SUS), e até para a construção de uma piscina em casa, substituindo a do clube, que estava fechado.

Outros benefícios financeiros listados pelas 100 melhores na pesquisa são o apoio à cooperativa de crédito dos funcionários e empréstimos concedidos pela própria companhia, como um salário extra na volta das férias que é descontado em dez parcelas, empréstimos para a compra de material escolar dos filhos e um crédito emergencial no caso de urgências pessoais ou familiares, a exemplo de morte e doenças.

Apenas estender a mão não é suficiente, porém. Muitas empresas e até as financeiras promovem cursos de educação financeira e oferecem acompanhamento personalizado para a elaboração do orçamento. Essas orientações veem sendo reforçadas nos últimos meses. A RD contratou uma consultoria que está mapeando a saúde financeira dos funcionários para entender de que forma pode ajudar tanto os funcionários que eventualmente estejam endividados e aqueles que gastam tudo o que ganham ou investem mal seus recursos.

Eliana Rozenchan, Omie - Divulgação - Divulgação
Rozenchan, da Omie: benefícios flexíveis para colocar contas em ordem
Imagem: Divulgação

A provedora de sistemas de gestão corporativa Omie incluiu a educação financeira entre os cursos internos que podem ser acessados tanto por seus colaboradores como por parceiros. Durante a crise, julgou também ser importante ajudar a bancar os custos de energia elétrica e internet dos funcionários que estão em home office. Agora, está testando o uso de um cartão de benefícios que reúne as verbas de alimentação, refeição e outros serviços para que o colaborador use como quiser. "Tentamos amparar os funcionários de todas as formas", diz Eliana Rozenchan, gerente de Recursos Humanos da Omie. "Sabemos que o conjunto de benefícios é um diferencial competitivo para a empresa."

O Prêmio Lugares Incríveis Para Trabalhar é uma iniciativa do UOL e da FIA para reconhecer as empresas que têm as melhores práticas em gestão de pessoas. Os vencedores são definidos a partir da pesquisa FIA Employee Experience (FEEx), que mede a qualidade do ambiente de trabalho, a solidez da cultura organizacional, o estilo de atuação da liderança e a satisfação com os serviços de RH. As inscrições para a edição 2021 estão abertas e vão até 15 de junho.