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Que horas elas voltam? Os incentivos para mulheres retornarem ao trabalho

A pandemia de covid-19 foi uma dos principais causas do she-cession (trocadilho em inglês para a recessão que atingiu as mulheres na pandemia). Entre outubro de 2019 e o último trimestre de 2020, 6,6 milhões de mulheres deixaram o mercado de trabalho no Brasil. - Getty Images
A pandemia de covid-19 foi uma dos principais causas do she-cession (trocadilho em inglês para a recessão que atingiu as mulheres na pandemia). Entre outubro de 2019 e o último trimestre de 2020, 6,6 milhões de mulheres deixaram o mercado de trabalho no Brasil. Imagem: Getty Images

Julia Moióli

Colaboração para o UOL, em São Paulo

08/03/2022 12h21

A pandemia de covid-19 paralisou a recolocação profissional da psicóloga Maria Claudia Cristianini Araújo, de Santo André (SP). Demitida no final de 2019 ao retornar da licença-maternidade, passou a atender como autônoma em uma clínica e, justamente quando sua agenda de pacientes começou a crescer, veio a crise sanitária.

"A clínica e as escolas fecharam e eu fiquei em casa com uma criança em período de alfabetização e um bebê de sete meses", conta. Com o marido trabalhando na linha de frente do combate à doença e sem poder contar com a ajuda dos pais, idosos e com comorbidades, não viu alternativa. "Optei por abrir mão da carreira para acompanhar as aulas online do mais velho e cuidar do bebê, que estava começando a andar." As entrevistas de emprego só foram retomadas quase um ano e meio depois, quando a psicóloga e os pais estavam vacinados e escolas e creches voltaram a funcionar.

Maria Claudia foi uma das 6,6 milhões de mulheres que precisaram deixar a força de trabalho entre outubro de 2019 e o último trimestre de 2020 —por demissão ou saída voluntária para acompanhar os filhos em casa. O Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados) mostra ainda que, entre os meses de abril e dezembro do primeiro ano da pandemia, quase 95 mil vagas ocupadas por mulheres foram eliminadas no país.

A situação não foi diferente em outros países, a ponto de gerar a expressão she-cession (trocadilho entre o pronome she —ela— e a palavra recession —recessão) para caracterizar o momento. Na América Latina, no primeiro ano da pandemia, 13 milhões de mulheres perderam seus empregos, segundo a OIT (Organização Internacional do Trabalho), principalmente por causa da grande presença delas no setor de serviços e comércio, os mais afetados, e pela dificuldade em conciliar trabalho doméstico e vida profissional. O número chega a 25 milhões se forem levadas em conta também as profissionais que, como Maria Claudia, já estavam em busca de trabalho antes da crise sanitária.

Michelle Terni, sócia da Filhos no Currículo - Patrícia Canola - Patrícia Canola
Para Michelle Terni, sócia da Filhos no Currículo, as mulheres tiveram mais dificuldade em se manter no mercado de trabalho durante a pandemia porque, historicamente, são colocadas na posição de cuidadoras, acumulando funções profissionais e domésticas.
Imagem: Patrícia Canola

"As mulheres foram as mais impactadas nesta pandemia e existe uma questão estrutural por trás desse fenômeno, já que historicamente somos colocadas na posição de cuidadoras", afirma Michelle Levy Terni, sócia da Filhos no Currículo, consultoria de transformação cultural que trabalha para melhorar as condições de trabalho para profissionais com filhos nas empresas.

"Vivemos um retrocesso", acredita Lina Nakata, professora da FIA Business School. "Com a saída das mulheres do mercado de trabalho, só aumenta a desigualdade em termos de oportunidades, salário e ascensão entre os gêneros", diz Nakata, uma das responsáveis pela pesquisa FIA Employee Experience (FEEx)veja aqui como inscrever sua empresa na edição 2022 da pesquisa e participar do prêmio Lugares Incríveis Para Trabalhar.

Equilíbrio e equidade como metas

Com os bons números da campanha de vacinação, o declínio de casos e de mortes por covid-19 e a retomada de diversos setores da economia, é hora de voltar. Entretanto, de acordo com as especialistas ouvidas para esta reportagem, é preciso ir além de políticas de governo —as empresas como um todo também precisam se empenhar nessa retomada.

"Quando falamos em inovação no mercado de trabalho, falamos de diversidade e isso inclui as mulheres", diz Terni, da Filhos no Currículo. "As empresas precisam considerar as mulheres como profissionais atuantes e trabalhar questões de equidade de gênero."

Para começar, o ideal é criar vagas específicas para o grupo. "É importante que as empresas façam campanhas ativas de recrutamento, pois muitas mulheres estão traumatizadas com processos seletivos e têm receio de contar sobre a fase que vivem", acrescenta Nakata, da FIA. "Sabemos que muitos recrutadores, por exemplo, ainda fazem perguntas relacionadas a filhos, sendo que diversos estudos já desbancaram esse tipo de preocupação."

Simone Beier, diretora de RH da Cargill no Brasil - Acervo pessoal - Acervo pessoal
Simone Beier, diretora de RH da Cargill no Brasil, afirma que a estratégia da empresa é atingir a igualdade de gênero na empresa até 2030. Atualmente, 34% das posições de liderança na filial brasileira da empresa são de mulheres - percentual que subiu na pandemia.
Imagem: Acervo pessoal

É o que faz a Cargill, que atua no mercado de alimentos e produtos agrícolas. Desde que assumiu, em 2016, o compromisso da Paradigm for Parity, coalizão de empresas pela paridade de gênero, a empresa prioriza a contratação de mulheres em todos os níveis, inclusive em estágios e em áreas mais desafiadoras, como operações. "Nossa estratégia é contratar e desenvolver mulheres para atingir a igualdade em 2030", conta Simone Beier, diretora de Recursos Humanos da Cargill no Brasil. Hoje, no país, já são 34% de mulheres na liderança e, de acordo com a executiva, o percentual aumentou durante a pandemia.

Investimentos em programas de desenvolvimento de carreira e de lideranças e em benefícios, como jornadas flexíveis, opção de trabalho remoto e, para as mães, salas de apoio à amamentação e creches internas, são fundamentais.

Também é preciso tornar o ambiente de trabalho mais favorável a mulheres e famílias, com políticas claras contra discriminação e assédio, canais de denúncias, desconstrução de vieses nas lideranças e maior entendimento sobre a chegada de filhos. "Não adianta oferecer um monte de benefícios e ter um ambiente tóxico", acredita Beier. "Tratando as pessoas com respeito e dignidade, construímos um ambiente colaborativo e respeitoso, seja em fábricas ou escritórios, onde as mulheres possam se desenvolver e desabrochar."

"Além disso, as empresas devem quantificar seus objetivos: quantas mulheres querem em seu quadro? E em posições de liderança?", diz Terni. "A meta traz uma luz no fim do túnel."

Elas por elas

Grandes companhias de diferentes setores já entenderam que incluir mais mulheres em seus quadros e estimular a igualdade de gênero traz benefícios que superam os investimentos nesse tipo de estrutura.

Ana Paula Kagueyama, head global de soluções para clientes do PayPal - Acervo pessoal - Acervo pessoal
Desde junho de 2015, a Paypal, empresa em que Ana Paula Kagueyama é head global de soluções para clientes, paga salários iguais para homens e mulheres em funções análogas. Atualmente, 45% das posições de liderança são de mulheres.
Imagem: Acervo pessoal

"Ser uma empresa diversa e inclusiva nos fortalece e prepara para um mercado de alta competitividade", garante Ana Paula Kagueyama, head global de soluções para clientes do PayPal, que se tornou exemplo quando, em junho de 2015, passou a pagar os mesmos salários a homens e mulheres em funções análogas e onde mais de 45% da liderança está nas mãos de mulheres. "Por isso, nosso objetivo é alcançar a igualdade entre homens e mulheres o quanto antes."

O Banco BV é outra organização que investe na equidade de gênero. No auge da segunda onda de covid-19, em 2021, lançou o programa Lugar de Mãe é no BV, que contratou nove mulheres em posições de especialistas e de liderança que estavam fora do mercado de trabalho por causa da maternidade. Além de oferecer às novas contratadas um programa de mentoria para se recolocarem de forma mais segura, treinou os gestores para recebê-las e entendê-las. Para completar o cenário de boas vindas, os filhos das profissionais também receberam crachás.

Vanessa Cabral, gerente executiva de pessoas e cultura do Banco BV - Acervo pessoal - Acervo pessoal
Vanessa Cabral, gerente executiva de pessoas e cultura do Banco BV, foi promovida com cinco meses de gestação, voltou da licença-maternidade no início da pandemia e acredita que ter mais mulheres no ambiente de trabalho "traz novas ideias e nos ajuda a olhar as diferentes perspectivas dos clientes."
Imagem: Acervo pessoal

No Magalu, onde a principal referência dos funcionários é uma mulher, lidar com questões femininas sempre foi natural, de acordo com a diretora executiva de gestão de pessoas Patricia Pugas. Por isso, quando a pandemia intensificou as tarefas femininas, a empresa de varejo agiu rápido. Mesmo quando a legislação ainda não previa trabalho remoto para gestantes, a prática foi adotada (para quem não podia trabalhar online, garantiu-se a remuneração).

Patrícia Pugas, diretora executiva de gestão de pessoas do Magalu - Germano Luder - Germano Luder
O Magalu, da diretora executiva de gestão de pessoas Patrícia Pugas, tem aumentado a presença feminina dedicando 30% das vagas para negras na área de tecnologia por meio do programa Luiza Code.
Imagem: Germano Luder

O Magalu também estimulou a sensibilidade e a empatia entre a liderança e, numa das ações mais significativas, fortaleceu o programa Luiza Code, voltado a mulheres de tecnologia, área com alta demanda e tradicionalmente pouco feminina (30% das vagas são reservadas para negras). "É onde temos mais espaço para contratar rapidamente", diz Pugas.

Vagas abertas, mulheres esgotadas

Nesse momento de retomada, não falta mão de obra em busca de oportunidades. Mas as empresas terão que se preparar para lidar com outra questão: por conta do peso depositado nas mulheres durante o isolamento social e o acúmulo de funções, elas estão exaustas.

De acordo com o levantamento Women in the Workplace, feito pela consultoria americana McKinsey & Co. no final do ano passado, nos Estados Unidos e no Canadá, 42% das entrevistadas afirmaram sofrer de burnout (exaustão provocada por questões e condições de trabalho), contra 32% no ano anterior (entre os homens, os números foram 35% e 28% respectivamente).

"As mulheres gastam o dobro de horas dos homens com trabalho doméstico", completa Terni, da Filhos no Currículo. "Durante a pandemia, 50% delas passaram a cuidar de alguém, reforçando essa carga mental acumulada."

Além de recrutamento e benefícios mais palpáveis, a she-cession precisará de uma rede formada por líderes bem treinados, grupos de mentoria e afinidades e programas de apoio psicológico para ser superada.

Lugares Incríveis para Trabalhar

O Prêmio Lugares Incríveis Para Trabalhar é uma iniciativa do UOL e da FIA para reconhecer as empresas que têm as melhores práticas em gestão de pessoas. Os vencedores são definidos a partir da pesquisa FIA Employee Experience (FEEx), que mede a qualidade do ambiente de trabalho, a solidez da cultura organizacional, o estilo de atuação da liderança e a satisfação com os serviços de RH. As inscrições para a edição 2022 estão abertas e vão até 30 de maio.