Mercado só vai acalmar quando aposentado ganhar menos de um salário mínimo
Logo após o Congresso Nacional aprovar o ajuste fiscal, na última sexta-feira (20), a corretora XP publicou uma análise com críticas ao "tímido pacote de mudanças, que não trata das questões mais importantes do Orçamento federal (como a indexação dos benefícios)".
Em bom português, a tal "indexação dos benefícios" quer dizer o seguinte: aposentados, trabalhadores afastados por doença ou acidente, idosos e pessoas com deficiência muito pobres com direito ao BPC (Benefício de Prestação Continuada) não podem ganhar menos de um salário mínimo por mês.
Atualmente, dos 40,6 milhões de benefícios pagos todo mês pelo INSS (Instituto Nacional do Seguro Social), cerca de 28 milhões são de um salário mínimo. Dito de outra maneira, sete em cada dez brasileiros que receberam recursos previdenciários ou assistenciais ao longo de 2024 viram pingar R$ 1.412 mensais em suas contas.
Para o mercado, "cortar na carne" não é reduzir o ganho real do salário mínimo, como proposto pelo governo federal e aprovado pelo Congresso. Tampouco significa limitar o reajuste ao da taxa de inflação do ano anterior, como defendem economistas conhecidos.
Na verdade, a grande "medida estruturante" para enfrentar a "dominância fiscal", na avaliação de muita gente graúda do mercado, é a possibilidade de aposentados ganharem menos de um salário mínimo.
Quem acompanha o noticiário econômico sabe que não é de hoje que a ideia da "desindexação" está na praça. Por sinal, essa era a principal bandeira de Paulo Guedes, o czar da economia do governo Bolsonaro, com sua política batizada de "DDD" (desvincular, desindexar e desobrigar), que acabou não vingando.
Sim, é verdade que a população está envelhecendo e que os desembolsos com a Previdência vêm crescendo aceleradamente, abocanhando uma parcela cada vez mais considerável do orçamento. Em certo momento, talvez não reste alternativa mesmo a não ser mexer na indexação.
Mas, antes de alterar nessa fórmula que só vai impactar a base da pirâmide, parece perfeitamente legítimo tentar repartir a conta com o andar de cima. Até porque, como estamos cansados de saber, nosso sistema tributário é escandalosamente regressivo — ou seja, pesa sobre os pobres e alivia para os ricos.
Não se trata, claro, de uma disputa fácil. Na gramática do mercado, rebaixar aposentadorias de quem sobrevive com salário mínimo é "remédio amargo". Já tributar o cidadão de alta renda que paga muito menos tributos do que deveria é "populismo fiscal". Indo ainda mais direto ao ponto: cortar de pobre é "técnico"; cobrar de rico é "ideológico".
O governo até tentou pautar esse debate, ao sugerir a tributação mínima de 10% para quem ganha acima de R$ 50 mil por mês, de forma a compensar a isenção de Imposto de Renda para quem recebe até R$ 5 mil — uma das principais promessas de campanha de Lula. Entretanto, agora não há dúvidas, errou feio no timing e no empacotamento da ideia, apresentada de forma vaga e pouco convincente.
A disparada do dólar e dos juros mostra que faltou tato político à cúpula do Planalto. Por mais contraintuitivo que possa parecer, não é trivial convencer a sociedade — principalmente, o topo da pirâmide — de que ricos precisam urgentemente pagar mais tributos para bancar o pacto social proposto pela Constituição de 1988. Essa, inclusive, será a grande discussão da segunda fase da reforma tributária.
Garantir ao menos um salário mínimo para cada beneficiário do INSS foi uma escolha feita em nome de um projeto civilizatório. Já a política de valorização do salário mínimo teve papel essencial na retirada de milhões de famílias da pobreza e na dinamização do mercado consumidor interno.
Na ponta do lápis, cálculos mostram que essa despesa pode não caber no orçamento, mesmo com o aumento da arrecadação, e precise ser revista num curto espaço de tempo. A questão é a ordem das prioridades: antes de tungar pobres, convém cobrar ricos — ou estaremos fadados a ser um país ainda mais desigual do que infelizmente já somos.
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