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Mariana Londres

REPORTAGEM

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R$ 400 bi? Entenda o cálculo do rombo fiscal que Bolsonaro deixa

O presidente Jair Bolsonaro e o Ministro da Economia Paulo Guedes - Clauber Cleber Caetano/PR
O presidente Jair Bolsonaro e o Ministro da Economia Paulo Guedes Imagem: Clauber Cleber Caetano/PR

Do UOL, em Brasília

11/11/2022 04h00Atualizada em 11/11/2022 14h51

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Pela primeira vez em quase uma década, o Brasil deverá fechar as contas no azul. De acordo com projeções, Bolsonaro e Guedes entregarão um superávit primário (tudo o que o governo arrecada menos tudo o que gasta, sem contar os juros da dívida) de algo entre R$ 64 bilhões e R$ 13,5 bilhões ao final de 2022 (projeções de novembro da XP, e de outubro do Ministério da Economia). Se os números se confirmarem, será a primeira vez desde 2013 que o Brasil terá um resultado positivo das contas do governo central.

Mas por que instituições do mercado, e portanto independentes do governo, como a XP, assim como o ex-ministro Henrique Meirelles, falam em um buraco aberto de cerca de R$ 400 bi para o próximo ano?

Primeiro é preciso separar (1) as promessas de campanha (algumas eram de ambos os candidatos, outras só de Lula), que somam R$ 250 bilhões em um cenário de Orçamento para 2023 que não previu nem o Auxílio de R$ 600; (2) dos buracos efetivamente deixados pela atual gestão, que somam R$ 173 bilhões. Dentro desses R$ 173 bilhões, há R$ 17 bilhões de reajuste de servidores que Bolsonaro conseguiu empurrar para frente e acabou prometendo para 2023 durante a campanha).

Antes de chegarmos ao rombo para 2023, é importante entendermos por que o resultado das contas em 2022 será positivo. Apesar dos aumentos de despesas (algumas delas devem ser permanentes) com Auxílio Brasil, Auxílio Gás, Auxílio a caminhoneiros, recursos para empréstimos consignados para beneficiários do Auxílio Brasil, entre outros, as contas públicas do país neste ano se beneficiaram pelo parcelamento de parte das despesas (precatórios, jogados para frente pela PEC dos Precatórios, que chegou a ser chamada do calote do calote) e pelos recordes sucessivos de receitas (arrecadação de impostos).

Esses recordes de dinheiro entrando nos caixas do governo se deram por vários fatores: os preço alto dos produtos agrícolas no mercado internacional, que aumentaram a arrecadação de impostos do agronegócio, pelo aumento dos juros para conter a inflação, que impulsionou a arrecadação do Imposto de Renda da pessoa física, pela retomada do crescimento econômico, que elevou o pagamento de impostos pelas empresas (IRPJ e CSLL) e pelo aumento da massa salarial, que gerou aumento nas receitas previdenciárias. A alta de combustíveis no início do ano também resultou em maior arrecadação (ao longo do ano a alta tende a ser neutralizada pela posterior desoneração desses produtos).

Mas tudo indica que esse cenário, especialmente com a permanência da Guerra da Ucrânia e a estimada recessão mundial no pós-covid, não irá se manter em 2023. O Brasil deve terminar 2022 com um excelente crescimento de 2,7% (PIB), segundo o Focus, mas com previsões bem mais modestas para 2023, de crescimento de 1%, jogando para baixo o dinheiro que entra nos cofres do governo com a arrecadação de impostos.

As contas a pagar, no entanto, não terão redução. As contas de precatórios e desonerações que irão acabar no final do ano vão chegar para o próximo governo. É aí que entram as estimativas de rombo de R$ 400 bilhões, somadas às promessas de campanha feitas pelos candidatos para 2023. O governo Bolsonaro se aproveitou do excesso de arrecadação transitório e criou despesas permanentes, politicamente falando. Desonerou produtos de forma provisória, e empurrou para frente a conta dos precatórios.

Nos cálculos da XP, do lado das despesas, os gastos que devem crescer no ano que vem decorrentes de promessas de campanha ou políticas públicas implementadas provisoriamente são:

  • Correção da tabela do Imposto de Renda com isenção para salários de até R$ 5 mil (R$ 122 bi). Proposta tanto de Lula quanto de Bolsonaro na campanha;
  • Bolsa Família de R$ 600 (+ R$ 52 bi além do já previsto no Orçamento para pagamento de R$ 405). Proposta tanto de Lula quanto de Bolsonaro na campanha;
  • Adicional de R$ 150 por criança menor de 6 anos no Bolsa Família (R$ 16,2 bi). Proposta de Lula na campanha;
  • Elevação do salário mínimo acima da inflação (R$ 9,7 bi para o caso de dois pontos percentuais de ganho real). Proposta de Lula na campanha;
  • Retomada dos investimentos em infraestrutura (R$ 50,3 bi). Proposta de Lula na campanha.
  • O total dessas despesas é de R$ 250 bi.

A XP também estimou os buracos deixados pela atual gestão, que são:

  • Reoneração de PIS/Cofins de combustíveis (R$ 54 bi);
  • Piso nacional de enfermagem aprovado pelo Congresso (R$ 16,3 bi);
  • Precatórios postergados (R$ 54,4 bi);
  • Reajuste dos servidores (R$ 17,1 bi), lembrando que o governo Bolsonaro não concedeu nenhum reajuste em quatro anos;
  • Compensação (parcial) de ICMS dos estados (R$ 20 bi);
  • Recomposição de despesas correntes (R$ 11,5 bi);
  • O total é de R$ 173 bilhões, mas na visão da XP o reajuste deveria entrar na conta das promessas e não nesta.

Somando as necessidades de novos gastos governo eleito com os buracos deixados para atual gestão chegamos aos mais de R$ 400 bi, ou mais precisamente R$ 423 bilhões.

Uma das propostas que o PT estuda para ter uma "licença para gastar" em 2023 é abrir espaço de cerca de R$ 175 bi fora do teto de gastos para pagar benefícios sociais e remanejar os R$ 105 bilhões previstos no Orçamento para benefícios sociais, para outras despesas que a gestão de Bolsonaro não previu para 2023, como a Farmácia Popular. Isso seria feito por meio da PEC da Transição, mas o desenho exato ainda está em discussão. Apenas após essa licença, o governo eleito irá discutir o novo modelo do teto de gastos.