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BC vai vender dólar. Preço vai cair? Devo comprar do governo agora? Entenda

Téo Takar

Do UOL, em São Paulo

16/08/2019 04h00

Resumo da notícia

  • Venda de dólares à vista não acontecia desde 2009
  • Brasil tem regime de câmbio flutuante "sujo". Preço do dólar oscila livremente, mas Banco Central pode intervir
  • Reservas internacionais não servem apenas para proteger país de eventuais crises externas. Elas também atendem à demanda natural por dólares
  • Mudança de atuação do Banco Central não deve fazer preço do dólar cair. Tendência é de alta devido principalmente a fatores externos.
  • Se você precisa de dólares para viajar, espere o estresse passar e compre a moeda aos poucos para fazer um preço médio

O Banco Central anunciou na quarta-feira (14) que vai vender dólares no mercado à vista, medida que não acontecia havia dez anos. Os primeiros leilões devem ser feitos entre os dias 21 e 29 de agosto. Simultaneamente, o Banco Central vai promover leilões de "swap" cambial reverso. O que isso significa? Por que o Banco Central está intervindo no câmbio de outro jeito? O preço do dólar vai cair? Você pode comprar dólar diretamente do governo? Quem vai viajar deve comprar dólar agora ou esperar?

O UOL consultou dois especialistas em câmbio --Paulo Saba, diretor de tesouraria do banco Daycoval, e Fernanda Consorte, estrategista de câmbio do banco Ourinvest-- para explicar o que está acontecendo no mercado de câmbio e dar orientações sobre como você deve agir, caso dependa do dólar por algum motivo.

Essa nova atuação do Banco Central vai fazer o dólar baixar?

A rigor, não. O efeito é considerado neutro porque ele está apenas trocando o instrumento de atuação no câmbio. O Banco Central decidiu oferecer menos "swaps" cambiais (contratos financeiros que não alteram o volume de dólares em circulação) e colocar dólares à vista para circular no mercado.

Então quer dizer que o dólar vai subir?

Não há como prever o comportamento do dólar. Porém, o cenário de incertezas no exterior, devido à guerra comercial entre Estados Unidos e China, a expectativa de que a economia mundial entre em recessão e eventuais instabilidades políticas no Brasil tendem a colaborar para a alta da moeda norte-americana, não só frente ao real, mas em relação às moedas de outros países também.

Eu posso participar dos leilões e comprar dólares direto do governo?

Não, apenas os chamados "dealers" podem participar dos leilões de câmbio realizados pelo Banco Central. Os "dealers" são grandes bancos e corretoras, responsáveis por atender à demanda por moeda estrangeira de outros bancos, grandes empresas, corretoras e casas de câmbio. Essas instituições, por sua vez, abastecem o restante do mercado (pequenas empresas, pessoas físicas) com dólares e outras moedas.

Vou viajar para o exterior no fim do ano. Devo comprar dólar agora ou esperar?

A recomendação é nunca comprar em momentos de estresse do mercado, como visto na quarta-feira (14). Aguarde uns dois dias até a "poeira baixar" e então compre um pouco de moeda. Não adianta esperar muitos dias, achando que a moeda vai cair porque o mercado de câmbio oscila muito. No mês que vem, compre mais um pouco e repita essa estratégia até a véspera da viagem. Assim você faz um preço médio e dilui um pouco o risco do mercado de câmbio.

Não se esqueça que a cotação válida para quem vai viajar para o exterior é a de venda do dólar turismo. Ele é mais caro do que o dólar comercial, aquela cotação que você normalmente vê na mídia, devido aos custos operacionais das casas de câmbio para armazenar o dinheiro e vender em pequenas quantias para o público em geral.

O que significa o BC fazer vendas de dólares à vista?

Significa que ele vai atuar de forma mais direta no mercado de câmbio, oferecendo dólares em espécie (dinheiro vivo) no chamado mercado à vista. Para isso, ele vai utilizar os dólares guardados nas reservas internacionais, uma espécie de poupança externa, que funciona como uma reserva de emergência do país.

Ele já não fazia isso antes?

A última vez que o Banco Central vendeu dólares à vista foi em fevereiro de 2009, na época da crise financeira global (iniciada em meados de 2008). O Banco Central atua com frequência no mercado de câmbio, mas utilizando outros instrumentos: o "swap" cambial (contrato financeiro que não altera o volume de dólares em circulação) e o leilão de linha (os dólares são colocados temporariamente no mercado e retirados no curto prazo). Essa mudança de postura acabou chamando a atenção do mercado financeiro.

Qual é a diferença entre vender dólar à vista, realizar "swap" cambial ou leilão de linha?

A operação de venda de dólares à vista é a única em que efetivamente há uma movimentação física de dinheiro. O Banco Central tira os dólares de suas reservas e entrega ao comprador. É uma ferramenta que dá liquidez ao mercado, ou seja, que aumenta a oferta de dólares em circulação.

O leilão de linha é também uma venda física de dólares. Porém, ela é acompanhada de um compromisso de recompra desse dinheiro após um determinado período. O dinheiro sai das reservas internacionais, mas o comprador tem que devolver os dólares depois de um tempo e ainda pagar uma taxa de juros pelo "uso" desse dinheiro "emprestado". A liquidez de dólares no mercado aumenta apenas temporariamente e as reservas não sofrem alteração na prática.

Já o "swap" cambial é um derivativo, ou seja, um contrato financeiro. Embora seja baseado no dólar, o comprador não vê a cor do dinheiro, nem o Banco Central precisa sacar os dólares das suas reservas. Ou seja, nada muda na liquidez do mercado. O objetivo do "swap" é apenas oferecer ao comprador desse contrato uma proteção ("hedge") contra a variação cambial.

O câmbio no Brasil não é livre? Por que o Banco Central faz intervenções?

O Brasil tem um regime de câmbio flutuante "sujo". O preço do dólar oscila conforme as regras de oferta e demanda de qualquer produto. Ou seja, se há mais compradores, o preço sobe, se há mais vendedores, o preço cai.

Porém, o regime é "sujo" porque o Banco Central tem o direito de intervir no mercado sempre que achar necessário. Essa atuação acontece, normalmente, para evitar que a moeda sofra oscilações bruscas (para cima ou para baixo), "suavizando" os movimentos de preços. Para isso, o Banco Central pode tanto comprar como vender moeda em espécie (mercado à vista) como contratos de swap (mercado futuro).

Eventualmente, o Banco Central também pode intervir quando percebe algum tipo de desequilíbrio, como falta de dólares no mercado ou necessidade de mecanismos de proteção (hedge) contra as mudanças de preço do dólar (variação cambial).

As reservas internacionais servem como proteção contra a alta do dólar?

Quando são usadas, as reservas internacionais servem para proteger o país de eventuais crises externas ou ataques especulativos, evitando que o preço da moeda norte-americana suba repentina ou demasiadamente. As reservas também têm o papel de atender à demanda natural por dólares no país. Atualmente, as reservas do Brasil somam mais de US$ 385 bilhões.

Há várias situações em que é preciso ter dólares disponíveis aqui: para atender as pessoas que viajam para o exterior, para o pagamento de produtos importados por empresas e pessoas, para o pagamento de dívidas e outros compromissos financeiros tomados no exterior por empresas e pessoas, para envio de lucros de empresas multinacionais para fora do país, ou mesmo para remessa de dinheiro para brasileiros que estão fora do país.

Por que o Banco Central mudou a forma de atuar no câmbio?

Há dois fatores que colaboraram para a mudança de estratégia do Banco Central no câmbio: um conjuntural e outro técnico.

Conjuntural - O mercado global ficou preocupado com a possibilidade de que ocorra uma recessão mundial por causa da desaceleração das economias dos Estados Unidos e da China e da fraqueza econômica da Europa.

Quando há esse clima de incerteza, de medo, os grandes investidores tendem a migrar de mercados considerados mais arriscados, como o brasileiro, para investimentos considerados mais seguros, como os títulos do governo norte-americano, justamente para evitar perder dinheiro.

O investidor estrangeiro que atua no Brasil decide vender ações, títulos públicos e outros investimentos que possui aqui. Só que esses investimentos estão em reais. Ele precisa trocar o dinheiro por dólares para poder tirar os recursos do país. Esse movimento de compra de dólares faz com que a moeda norte-americana suba em relação ao real, além de reduzir a disponibilidade de dólares no país.

Técnico - Está ligado ao aumento da demanda por dólares em dinheiro vivo no mercado brasileiro, principalmente por parte empresas brasileiras e estrangeiras, para pagamento de dívidas no exterior e remessas de dividendos para fora do país. A oferta de dólares proveniente dos pagamentos de exportações e de investimentos estrangeiros no país não tem sido suficiente para cobrir a demanda.

Isso fez com que o fluxo cambial (a diferença entre entrada e saída de dólares do país) ficasse negativo em quase US$ 11 bilhões no saldo acumulado deste ano. Ou seja, está saindo mais dólar do que entrando.

Muitas companhias brasileiras, em algum momento no passado, fizeram emissões de títulos de dívida fora do país para captar recursos em dólares para aplicar em seus projetos aqui. Quando esses títulos estão próximos de vencer, as empresas normalmente emitem novos títulos lá fora para pagar os papéis.

No entanto, a maioria das companhias está preferindo pagar a dívida sem fazer nova emissão no exterior. Mas, para fazer o pagamento, as empresas precisam trocar seus reais aqui por dólares para enviar o dinheiro para os credores.

Já as companhias estrangeiras que atuam no Brasil precisam, periodicamente, remeter seus lucros à matriz no exterior. A remessa dos chamados dividendos também é feita em dólares, o que gera um aumento da demanda pela moeda norte-americana no mercado de câmbio à vista no Brasil.

Entenda como funciona o câmbio do dólar

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