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OPINIÃO

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Renda fixa terá marcação a mercado, assim como a feira livre; entenda

Mudança de regras na precificação de títulos deve transformar o mercado de renda fixa em algo próximo a uma feira livre - iStock
Mudança de regras na precificação de títulos deve transformar o mercado de renda fixa em algo próximo a uma feira livre Imagem: iStock
Lucas Elmor

09/01/2023 04h00

Você já parou para pensar o que um simples pastel com caldo de cana da feira tem a ver com os seus investimentos em renda fixa? À primeira vista, podem parecer universos muito distantes, mas uma mudança de regras na precificação desses títulos deve transformar (ou pelo menos é o que se espera) o mercado de renda fixa em algo muito mais próximo de uma feira livre de rua.

A Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima), órgão de autorregulação dos participantes do mercado de capitais, instituiu uma regra para todas as distribuidoras de títulos e valores mobiliários, válida a partir de janeiro de 2023, que prevê a marcação a mercado, ou dos termos em inglês "Mark to Market" ou "MtM", de títulos de renda fixa nas carteiras dos clientes, dentre eles alguns títulos públicos federais, CRIs, CRAs e debêntures.

Esta regra visa dar mais visibilidade e transparência para o mercado em geral, mas também adiciona complexidade no entendimento dos resultados das carteiras de renda fixa e uma necessidade de reforçar o lado educacional para evitar ansiedade e/ou erros de entendimentos para os investidores pessoa física, que nem sempre estão acostumados com esta sopa de letrinhas do mercado financeiro.

Vejamos a seguir, então, as diferenças entre as metodologias, os riscos associados e os eventuais impactos nos seus investimentos.

Marcação na curva de um título nada mais é do que a precificação do papel considerando o acúmulo diário de juros e correção por eventual indexador (IPCA, IGP-M, CDI, etc.) da forma como está previsto em contrato, sem embutir no preço quaisquer oscilações de expectativas de mercado ou eventos de piora na qualidade do crédito.

Esse é o cenário atual adotado pela regulação até dezembro de 2022, que é mais confortável e de fácil entendimento à primeira vista, mas carrega um risco, que é a rentabilidade do título não refletir exatamente a situação real do crédito.

Alguns investidores talvez se lembrem do famoso caso recente de uma debênture que financiou uma rodovia e foi distribuída por uma grande corretora brasileira. No caso, da "noite para o dia", virou pó nas carteiras dos clientes devido a um evento de inadimplência que não estava precificado no título, apesar dos problemas que vinham acontecendo meses antes.

Já a marcação a mercado é o completo oposto disso e é a representação da feira livre onde, em teoria, os preços dos títulos de renda fixa são dados a partir das diversas ofertas de compra e venda de cada respectivo papel, processo similar ao que já ocorre no mercado de ações.

Em uma feira livre os compradores podem pesquisar preços e a qualidade das frutas, legumes e verduras em cada barraca, escolher a melhor opção e ainda pedir um desconto ao vendedor.

O feirante, por outro lado, monitora os preços dos concorrentes, o frescor da mercadoria e o horário da feira para definir o preço dos produtos a fim de refletir a melhor "marcação a mercado". Essa convergência de expectativas entre vendedores e compradores gera o que seria o preço justo para o produto, seja na feira, seja no mercado financeiro, mas apresenta maior volatilidade de preços.

A teoria por trás é muito bonita, mas na prática a realidade impõe alguns riscos adicionais. Além dos desafios educacionais citados anteriormente, o tema tem sido debatido entre os participantes do mercado devido aos riscos inerentes de marcação a mercado de títulos com baixa liquidez, que é a realidade de uma boa parte desse mercado, pois muitos investidores investem nesses papéis com o objetivo de carregar até o vencimento e auferir renda.

Ou seja, se não existe um volume de negócios de compra e venda grande o suficiente para influenciar o preço de um papel com muitos compradores e muitos vendedores, a dita marcação a mercado acaba se tornando uma referência potencialmente frágil. Isso sem falar nos riscos de uma eventual manipulação de mercado com transações fora do que seria o preço considerado justo.

O avanço da regulação é importante, necessário e caminha na direção de uma maior transparência aos investidores, mas também apresenta desafios de curto prazo que serão endereçados ao longo do tempo.

O "dever de casa" do investidor, no entanto, não muda muito. Deve-se continuar o acompanhamento diligente dos seus investimentos e, nos casos em que falta tempo e/ou conhecimento, delegar aos profissionais competentes a missão de cuidar das suas economias.

Este material não é um relatório de análise, recomendação de investimento ou oferta de valor mobiliário. Este conteúdo é de responsabilidade do corpo jornalístico do UOL Economia, que possui liberdade editorial. Quaisquer opiniões de especialistas credenciados eventualmente utilizadas como amparo à matéria refletem exclusivamente as opiniões pessoais desses especialistas e foram elaboradas de forma independente do Universo Online S.A.. Este material tem objetivo informativo e não tem a finalidade de assegurar a existência de garantia de resultados futuros ou a isenção de riscos. Os produtos de investimentos mencionados podem não ser adequados para todos os perfis de investidores, sendo importante o preenchimento do questionário de suitability para identificação de produtos adequados ao seu perfil, bem como a consulta de especialistas de confiança antes de qualquer investimento. Rentabilidade passada não representa garantia de rentabilidade futura e não está isenta de tributação. A rentabilidade de produtos financeiros pode apresentar variações e seu preço pode aumentar ou diminuir, a depender de condições de mercado, podendo resultar em perdas. O Universo Online S.A. se exime de toda e qualquer responsabilidade por eventuais prejuízos que venham a decorrer da utilização deste material.

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** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL