Geração digital muda cursos de economia e Bolsa
Flutuações do câmbio, rentabilidade, liquidez, day trade, commodities. Se até há pouco termos como esses compunham o vocabulário apenas dos profissionais do mercado financeiro, hoje eles fazem parte do repertório de muita gente e são debatidos no transporte público, em happy hour ou nos almoços dominicais em família. Essa "popularização" é resultado principalmente da proliferação das plataformas digitais - em um clique, qualquer pessoa consegue colocar economias no mercado de ações.
Se por um lado a tecnologia instiga o surgimento do "investidor amador", por outro traz um desafio aos cursos formadores de quadros para a área, como Economia e Contabilidade. Ao atenderem a uma demanda crescente de estudantes que já fizeram uma degustação do mercado financeiro, essas graduações têm de ajustar sua matriz curricular a esse cenário. Isso significa tanto inserir disciplinas ligadas à modernização do sistema financeiro como advertir esses jovens a terem os pés no chão. Para garantir uma vaga nesse mercado já concorrido - que deve ficar ainda mais sob a perspectiva de que o avanço da reforma da Previdência leve a bolsa a quebrar recordes -, é preciso mesclar os tradicionais conhecimentos de Matemática às recentes ferramentas de inteligência artificial.
Aos 19 anos, Giulia Stefanie Silva está aprendendo a fazer essa mescla. Após estudar Administração por um ano e ter contato com alguns professores ligados ao mercado financeiro, ela gostou do assunto e migrou para o curso de Economia. Mesmo não tendo sido uma boa aluna nas disciplinas de Exatas durante o ensino médio, ela tem conseguido dar conta. Mas com bastante estudo. Ao mesmo tempo em que faz simulações bem básicas em fundos imobiliários e acompanha as taxas de juros, ela dedica um bom tempo para entender as teorias econômicas e melhorar a performance nas disciplinas básicas, como Matemática. Tem dado tão certo que a estudante já ousa, com base nas aulas e nas leituras de periódicos econômicos, fazer uma análise do momento nacional. "Acho que 2019 vai ser igual a 2018, com PIB crescendo pouco e sem que alcance a meta que o mercado espera. Vamos ter uma lenta recuperação."
Operadores
Na lista de docentes do curso do Ibmec, onde Giulia estuda, há tanto acadêmicos dedicados exclusivamente à pesquisa como operadores da Bolsa de Valores, explica Rodrigo Ferreira, coordenador do curso. "Hoje, a escola não pode estar fechada em si mesma. Tem de ser um 'hub'."
É a mesma lógica que norteia o trabalho da Universidade de Brasília (UnB). A instituição está desenvolvendo uma parceria com o CFA Institute, principal associação de profissionais de Finanças no mundo, para incluir, nas disciplinas do curso de graduação em Administração, mais conteúdo teórico e prático adaptado à realidade. A ideia não é construir um currículo capaz de satisfazer o interesse imediato do aluno pelo mercado financeiro, mas propor uma matriz que considere as novas tecnologias, como Ciência de Dados e Inteligência Artificial, como fundamentais na formação do aluno.
Quem olha a matriz curricular da FAAP também observa nomenclaturas bem afins a esse novo cenário de fintechs - startups ligadas ao mercado financeiro. "Inserimos a disciplina de Macroeconomia Financeira, que faz a ligação da parte de macroeconomia com finanças empresariais e alocação de recursos em carteira. O aluno também tem aula de Economia Computacional, para aprender a montar robôs para que deem ordem de compra e venda de acordo com informações via internet", exemplifica Paulo Dutra, coordenador do curso.
Outra característica valorizada neste momento é a multidisciplinaridade. Na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), a graduação em Economia é estruturada em três eixos (teoria econômica, políticas públicas e economia de empresas e finanças) e os alunos são estimulados a cursar créditos de outros cursos para aprofundar o conhecimento nos temas que mais lhes interessam. "Pode ir ao Instituto de Matemática para fortalecer a questão quantitativa ou ao de Psicologia para aprofundar o aprendizado sobre comportamento", explica Carlos Schonerwald, coordenador da Comissão de Graduação em Ciências Econômicas da instituição. Quem se interessa pelo mercado financeiro é logo avisado que operar com solidez requer conhecimento de cálculo, programação e softwares específicos. "Os alunos chegam com certo desejo de operar no mercado financeiro, achando que é simples. Mas não é."
Mas quando estarei pronto?
"Se o currículo não deve atender ao meu interesse imediato, quando é que estarei apto a atuar no mercado acionário?". A dúvida é recorrente entre os estudantes. E a resposta do coordenador da graduação em Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Joelson Sampaio, é taxativa: o mercado não valoriza mais quem chega antes, e tentar atrelar precocemente o curso a um emprego pode atrapalhar a formação. "Sempre digo para investir o máximo na formação, porque a experiência é mais fácil de adquirir do que o conhecimento. O mercado sabe disso. Tanto que, no último ano do nosso curso, quando liberamos os alunos para estágios, temos 20 vagas para cada um."
Resultado de uma formação, diz Sampaio, que considera como competências fundamentais o raciocínio analítico, a capacidade de resolver problemas complexos e de lidar com pressão, além do domínio de ferramentas quantitativas, do conhecimento de Data Science e de saber trabalhar em grupo e apresentar características de liderança. Não é pouca coisa. E nem é simples.
Bruno Bartholi, que cursa o 8.º semestre do curso, estagia atualmente em um fundo de investimentos. Chegou com o repertório de sala de aula e com a experiência resultante das atividades desenvolvidas na empresa júnior da FGV. "Nela, trabalhei em equipe e tive de analisar muitos dados de mercado e projetos de avaliação de empresas. Sem dúvida, isso me serviu de preparação para o que encaro hoje."
Quando o professor Nelson Calsavara, do curso de Economia da Universidade Cruzeiro do Sul, é interpelado por algum aluno muito ansioso para estrear no mercado e com a expectativa de ganhar dinheiro rápido, ele pede calma e lembra que "promessas fáceis dificilmente se concretizam". "Mas, no caso daqueles extremamente focados em mercado acionário, eu indico que façam um curso rápido de Day Trade. Ele vai mostrar casos, métodos de comprar e vender ações, análise de gráfico. Pode satisfazer um interesse pontual."
De fato, dentre os matriculados no braço educacional da Associação Brasileira de Bancos (ABBC), há um número considerável de alunos de graduação que buscam acelerar algum aprendizado específico para uso imediato. A oferta de cursos segue a demanda dos quase 90 bancos associados à instituição. No cardápio de cerca de 80 cursos estão temas como IFRS 9 - Instrumentos Financeiros, Hedge Accounting - Gestão do Risco Financeiro e Análise de Balanço de Instituições Bancárias, com ofertas presenciais e a distância. "Vivemos um momento de transformação digital, com um sistema financeiro cada vez mais digitalizado, aberto e integrado e precisamos ter profissionais preparados para essa situação", diz Cláudio Guimarães, diretor executivo da ABBC. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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