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Expatriação: os benefícios (e os perrengues) de ir trabalhar no exterior

Empresas usam expatriação para desenvolver líderes, mas programa é caro e demanda cuidados - especialmente no retorno - Yousef Alfuhigi/Unsplash
Empresas usam expatriação para desenvolver líderes, mas programa é caro e demanda cuidados - especialmente no retorno Imagem: Yousef Alfuhigi/Unsplash

Julia Moioli

Do UOL, em São Paulo

13/11/2020 04h00

Resumo da notícia

  • Empresas investem em expatriação para funcionário aprender novas funções e ganhar experiência global como preparação para novos cargos
  • Para o trabalhador, as vantagens incluem uma formação mais ampla, contato com novas ideias e processos e fortalecimento do network
  • Programas custam caro e geralmente são focados em cargos de gerência média para cima; alto desempenho e potencial também são requisitos
  • Empresas também têm adotado programas mais curtos, de 3 a 24 meses, para projetos específicos ou cobertura de licenças
  • Expatriados contam que, apesar dos benefícios, a mudança pode ser desgastante, especialmente para quem tem família e filhos
  • Especialista recomenda que funcionário esclareça antecipadamente com a empresa como será o processo de repatriação

Com a crise política e econômica do país, muitos brasileiros têm sonhado em mudar para o exterior. E muitos têm conseguido: de 2013 a 2019, o total de Declarações de Saída Definitiva, registradas pela Receita Federal, cresceu 125%.

Organizar esse plano fica mais fácil com uma ajuda da empresa: a chamada expatriação. Mas, mesmo com a segurança de manter o trabalho, a mudança ainda traz grandes desafios. "É uma experiência que recomendo muito para quem tem interesse real, pois demanda energia extra", conta Ana Paula Duarte, diretora de mídia da Unilever, expatriada duas vezes (nos EUA, em 2005, e na Inglaterra, em 2016).

Mesmo assim, os ganhos são significativos - e não apenas no currículo. "O indivíduo abre a cabeça em função da convivência com pessoas diferentes e de culturas diversas", diz Shalimar Gallon, professora de pós-graduação da Escola de Administração da Faculdade Meridional e autora de uma tese de doutorado sobre expatriação, defendida na Universidade Federal do Rio Grande do Sul em 2015.

"Boost de resiliência"

Karen Wasman, gerente de desenvolvimeno organizacional e de pessoas do Grupo Volvo - Divulgação/Grupo Volvo - Divulgação/Grupo Volvo
Karen, da Volvo: "O funcionário volta com maior respeito a diferenças e opiniões"
Imagem: Divulgação/Grupo Volvo
Para as empresas, o benefício é claro: o funcionário terá a oportunidade de aprender novas funções e processos, ganhar experiência global e fortalecer o networking. "Atualmente, tenho projetos em que ainda interajo com as pessoas com quem trabalhei lá fora, o que facilita muito no dia-a-dia", confirma Ana Paula.

Karen Wasman, gerente de desenvolvimento organizacional e de pessoas do Grupo Volvo da América Latina, acredita que "a experiência funciona como um boost de resiliência." Atualmente, a companhia tem 40 brasileiros alocados em países como Argentina, Austrália, China, África do Sul, Suécia e EUA. "O funcionário volta muito mais aberto, com maior respeito a diferenças e opiniões, o que soma muito para o negócio local", afirma.

A expatriação também internacionaliza a gestão, padronizando processos e melhores práticas, e reforça a cultura organizacional. Tudo isso contribui para a criação de novos líderes. "Essas movimentações dão vida à organização global", resume Pedro Sousa, responsável por mobilidade global no departamento de recursos humanos da Bayer.

Na Procter & Gamble, a experiência no exterior é parte fundamental no processo de desenvolvimento de lideranças. A atual CEO no Brasil, Juliana Azevedo, por exemplo, começou como estagiária, atuou em diversas áreas e foi expatriada no Panamá e nos EUA.

"A vantagem é que nosso pool de talentos é muito maior e nossas opções para posições críticas não estão limitadas a um determinado país", diz Danny Taylor, vice-presidente de recursos humanos da P&G. Atualmente, a organização tem 41 brasileiros fora do país e 23 estrangeiros no Brasil.

Que perfis as empresas selecionam?

Apresentação de trabalho - Austin Distel/Unsplash - Austin Distel/Unsplash
Período no exterior costuma durar entre 1 e 5 anos, mas há programas mais curtos
Imagem: Austin Distel/Unsplash
Expatriações custam caro. Além do salário em si, pago a partir do Brasil, as empresas com programas bem estruturados costumam arcar com passagens aéreas, moradia, cursos de língua e até preparação de imposto de renda. Por isso, geralmente os beneficiados são escolhidos entre média gerência e cargos de alta liderança ou C-level (CEO, CFO, etc).

"Os critérios gerais de seleção para esses assignments incluem histórico de alto desempenho, potencial para autodesenvolvimento e flexibilidade e disposição para trabalhar com mudanças", afirma Sousa, da Bayer. Na sua empresa, as áreas que mais mandam gente pra fora são finanças, marketing, supply chain, assuntos regulatórios e strategy.

Geralmente, a vivência dura entre um e cinco anos. "Entende-se que esse é o prazo que o colaborador precisa para performar dentro das expectativas do negócio, compartilhando informações e implementando projetos para, finalmente, colher os resultados", diz Patricia Tavares, líder de mobilidade global da Unilever Latam. Após esse período, questões trabalhistas e migratórias podem representar riscos e maiores custos.

Programas mais curtos

Outra modalidade adotada por muitas empresas, como Unilever e Intel, são programas mais curtos, de três a 24 meses de duração, focados em projetos específicos ou coberturas de licenças. Geralmente, ocorrem em níveis de coordenação e gerência. Assim como nos casos de expatriação, o salário do funcionário continua sendo pago pela filial brasileira e é complementado com benefícios como moradia, por exemplo.

Lucas Carvalho, gerente de marketing da Intel, já participou de duas iniciativas assim, uma na Alemanha e outra nos EUA. "Temos a oportunidade de nos desenvolver em novas áreas, conhecer novos mercados e novas culturas sem sair da empresa", acredita. "Essa experiência me ajudou a fazer a minha primeira movimentação interna para um cargo mais alto."

Nem tudo é perfeito

Ana Paula Duarte, diretora de mídia da Unilever - Divulgação/Unilever - Divulgação/Unilever
Ana Paula, da Unilever: "É necessária uma capacidade de adaptação muito maior"
Imagem: Divulgação/Unilever
Mesmo com tantas vantagens, entraves sempre aparecem. Os especialistas concordam que os expatriados não costumam enfrentar dificuldades para navegar dentro da estrutura da organização - além de serem considerados talentos pela empresa, os processos costumam ser padronizados no mundo todo. A maior dificuldade é a adaptação. "O impacto gerado pela mudança é muito grande, principalmente no núcleo familiar", afirma Tavares, da Unilever.

Em sua primeira mudança, no início da carreira, Ana Paula Duarte, da Unilever, passou seis meses em Connecticut (EUA) apenas com o marido. Mas, na segunda, viajou também com os dois filhos para ocupar a vaga de diretora global de estratégia de mídia.

"Eu sempre fui apaixonada por aprender outras línguas e conhecer outras culturas e já tinha estudado no exterior, mas quando se vai a trabalho é diferente. É necessária uma capacidade de adaptação muito maior", conta. Os filhos, que não falavam inglês e sentiam falta dos amigos, tiveram um ajuste mais difícil do que ela previa. "Eu me questionei se, como mãe, eu havia feito a coisa certa. Mas foi uma decisão acertada da qual não me arrependo. E vejo que meus filhos também não", conclui.

"Para amenizar os insucessos, as empresas devem ser cautelosas na seleção e no treinamento dos expatriados. Precisam avaliar seu perfil cultural e como será a adaptação da família em outro país", sugere Shalimar Gallon. "É fundamental dar apoio ao colaborador e à família no período de adaptação, incluindo decisões sobre escola dos filhos, cursos intensivos de língua e cultura do novo país."

Tão importante quanto o período fora é o retorno ao Brasil. Ana Paula, da Unilever, foi um caso de sucesso: as duas experiências de repatriação foram bem conduzidas. Na primeira, voltou com uma promoção e, na segunda, sua vaga original de diretora se manteve reservada para ela. Mas nem sempre é assim.

Em sua pesquisa, Gallon ouviu todo o tipo de queixas sobre repatriação, de perdas de benefícios e autonomia a falta de atualização sobre mudanças internas e divergências familiares. Mas a principal foi a ausência de posição definida para o repatriado. Ela recomenda que os interessados conversem bastante, de antemão, com sua empresa, para estabelecer e esclarecer o que virá depois. "Muitas vezes, a organização não tem práticas e políticas de repatriação: 'é só voltar e tá tudo certo'", conta ela.

O Prêmio Lugares Incríveis para Trabalhar é uma iniciativa do UOL e da Fundação Instituto de Administração (FIA) que vai destacar as empresas brasileiras com os mais altos níveis de satisfação entre os seus colaboradores. Os vencedores serão definidos a partir dos resultados da pesquisa FIA Employee Experience, que mede o ambiente de trabalho, a cultura organizacional, a atuação da liderança e a satisfação com os serviços de RH. Eles serão anunciados em 1/12.