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Não são super-heróis: pandemia humaniza gestão de profissionais da saúde

UTI destinada a pacientes com Covid-19 no hospital Emílio Ribas, em São Paulo: as instituições passaram a cuidar mais da saúde mental dos colaboradores - Reinaldo Canato/UOL
UTI destinada a pacientes com Covid-19 no hospital Emílio Ribas, em São Paulo: as instituições passaram a cuidar mais da saúde mental dos colaboradores Imagem: Reinaldo Canato/UOL

Denyse Godoy

do UOL, em São Paulo

26/03/2021 04h00

Médicos e enfermeiros são os trabalhadores mais afetados pela pandemia do novo coronavírus, que atingiu o pico no Brasil neste mês. Profissionais de saúde usualmente recebem treinamento para saber como atuar em situações de calamidade, mas não existe preparação possível para enfrentar todo dia uma tragédia equivalente à queda de 20 aviões (como o Boeing da Gol que caiu na Amazônia em 2006 matando seus 154 ocupantes).

O desafio que se apresenta a cada turno para médicos e enfermeiros tem sido ainda maior para os gestores das instituições de saúde. Como garantir a sanidade, a motivação e o engajamento dos colaboradores nesse caos?

A situação dos profissionais de saúde é preocupante desde antes da covid-19. Nas unidades de saúde públicas, o modelo de administração baseado em parcerias com as Organizações Sociais (OSs) - entidades sem fins lucrativos contratadas para prestar serviços como o de fornecimento de pessoal - privilegia metas financeiras e operacionais rígidas.

Como resultado, há uma alta rotatividade de profissionais em postos de saúde e hospitais. Nos hospitais privados, as métricas de desempenho importadas das práticas de gestão de empresas da indústria e do varejo não levavam em conta as peculiaridades do setor de saúde.

A pressão, que já era suficiente para que os trabalhadores nas duas esferas relatassem extrema exaustão, se agravou na pandemia. Um estudo realizado pelos pesquisadores em administração de empresas Liliane Furtado, Eduardo Cardoso de Moura e Filipe Sobral e divulgada no final de 2020 mostrou que 83% de médicos da linha de frente e 71% dos médicos em geral apresentavam sintomas de burnout.

O levantamento ainda revelou traumas relacionados à rotina em hospitais e afastamento do trabalho por desordens psicológicas.

O estereótipo de que os profissionais da saúde são privilegiados, ganham muito bem e não têm problemas ruiu. Nas organizações, onde antes só havia uma preocupação de garantir a humanização do tratamento proporcionado por médicos e enfermeiros aos seus pacientes, a necessidade de cuidar mais dos colaboradores se impôs.

"Costumamos chamar os profissionais da saúde de super-heróis. Eles não são. Têm as mesmas qualidades e falhas de todos nós ", lembra Furtado, professora da pós-graduação em administração da Universidade Federal Fluminense (UFF).

Proteção individual e repouso

Para apoiar devidamente os colaboradores, as instituições de saúde têm que começar pelo básico, muitas vezes negligenciado, segundo o Sindicato dos Enfermeiros do Estado de São Paulo. "É essencial fornecer equipamentos de proteção individual em quantidade e qualidade adequados e garantir o repouso", diz Solange Caetano, presidente da entidade. Desde o início da crise, o sindicato tem brigado para que os hospitais e clínicas ofereçam uma sala de descompressão para que os profissionais façam intervalos para descanso no meio do seu turno e afastem de suas atividades os funcionários que fazem parte do grupo de risco para a covid-19. Nas capitais, a situação é um pouco melhor do que no interior do Brasil. "Há instituições cortando as folgas - devem ser pelo menos 10 por mês - e precarizando outras condições de trabalho", afirma Caetano.

Érica Batista - Divulgação - Divulgação
Érica Batista, diretora médica do Hospital Esperança Olinda, da Rede D'Or: celebrando as pequenas vitórias
Imagem: Divulgação

As organizações que tentam expandir os seus quadros para aliviar a carga dos funcionários têm encontrado bastante dificuldade em contratar profissionais. Existe uma escassez de trabalhadores especializados para áreas mais delicadas, como as Unidades de Tratamento Intensivo (UTIs). Segundo o sindicato, o déficit de enfermeiros na região metropolitana de São Paulo era de 2 mil profissionais antes da pandemia, e a situação piorou bastante.

Coube a Erica Batista, epidemiologista que é a diretora médica do Hospital Esperança Olinda, em Pernambuco, a missão de ajudar os 1300 colaboradores da instituição a atravessar a tempestade.

As primeiras medidas tomadas logo que a notícia da pandemia começou a se espalhar pelo mundo, em dezembro de 2019, foram operacionais. A Rede D'Or, da qual o hospital faz parte, criou um grupo para discutir a situação e alinhou com cada unidade os processos. Foram colocados em curso uma redefinição de fluxo de pacientes e funcionários nas unidades de saúde, um levantamento de insumos e equipamentos necessário e o aumento do quadro de colaboradores. Mesmo diante do aumento de custos e da redução de receitas, já que a grande maioria dos procedimentos eletivos foram cancelados, o hospital antecipou o pagamento do 13º. salário e de bônus para os funcionários conseguirem fazer frente a um eventual aumento de compromissos financeiros.

Semanalmente, no hospital Esperança, os profissionais faziam reuniões para discutir a conduta terapêutica para os dias seguintes, apoiados em notas técnicas da rede. Além desse suporte científico, o psicológico foi reforçado. "Fizemos rodas de conversa com os profissionais e criamos soluções para o conforto dos pacientes. Levamos a eles mensagens gravadas das famílias para que revivessem os momentos de alegria. Essas pequenas conquistas nos ajudam a enfrentar o medo e o cansaço", diz Batista. "Proporcionamos um local adequado para o descanso e o lanche, fizemos revezamento dos profissionais entre as áreas reservadas para os pacientes com covid e outras doenças, de modo que ninguém ficasse sobrecarregado."

A médica se coloca como uma líder servidora e afirma que sua maior alegria é ver os liderados se sobressaindo. "Gosto de estar com a equipe e busco lhe dar autonomia para trabalhar, porque é impossível estar em todo lugar o tempo todo. Quem atende o paciente representa o que a instituição espera desse cuidado", diz. "Aperfeiçoamos a nossa capacidade de comunicação, sendo mais assertivos em relação ao que precisa ser dito. Entre as lições aprendidas nesses meses, ficou a de celebrar mesmo as menores vitórias e de ser grata - como quando um paciente de covid consegue tomar banho sozinho."

Gestores à frente

Ana Maria Malik, coordenadora do FGVsaúde, o centro de estudos em planejamento e gestão da saúde da Fundação Getulio Vargas, constatou o aprimoramento da liderança no setor durante a crise. "Até 10 ou 15 anos atrás, a gestão de pessoas não tinha acesso às discussões estratégicas da empresa. Agora, passou a participar dessas discussões e não só cumprir a estratégia definida."

Vitório Moscon Puntel, Unimed Volta Redonda - Divulgação - Divulgação
Vitório Moscon Puntel, vice-presidente da Unimed Volta Redonda: investimento na formação de líderes
Imagem: Divulgação

Capacitar para posições de liderança é prioridade na Unimed Volta Redonda, que administra um hospital de mesmo nome. Todos os profissionais em posições de gestão, independentemente da formação primária, têm um MBA em administração de empresas custeado pela companhia. Durante a pandemia, muitos processos precisaram ser adaptados: praticamente todos os funcionários administrativos foram colocados em home office. "Colaboradores foram contratados e colocados em equipes que mesclam profissionais com muita experiência e outros com menos para que aprendam juntos ", afirma Vitório Moscon Puntel, vice-presidente da Unimed Volta Redonda.

Na opinião da pesquisadora Furtado, que vem acompanhando de perto as recentes mudanças no setor da saúde, a crise mostrou a importância da liderança na construção de um ambiente de trabalho saudável. "Nossos estudos mostram que, quando o líder tem empatia e respeito com cada membro da equipe, os colaboradores enxergam as demandas de maneira mais positiva, menos impossíveis de serem cumpridas, são estimulados a superar os obstáculos. Assim, o esgotamento e a sensação de exaustão são reduzidos", afirma a professora.


O Prêmio Lugares Incríveis Para Trabalhar é uma iniciativa do UOL e da FIA para reconhecer as empresas que têm as melhores práticas em gestão de pessoas. Os vencedores são definidos a partir da pesquisa FIA Employee Experience (FEEx), que mede a qualidade do ambiente de trabalho, a solidez da cultura organizacional, o estilo de atuação da liderança e a satisfação com os serviços de RH. As inscrições para a edição 2021 estão abertas e vão até 15 de junho.