Universidades corporativas: como as empresas desenvolvem talentos "em casa"
Marina Zibetti e outros quatro colegas de trabalho vão conhecer o Vale do Silício em 2022. E sem gastar um centavo com a viagem. Além do prêmio, ganharam ainda vouchers de entrega de cerveja nos últimos nove meses. Durante esse tempo, Zibetti escutou diversos podcasts, assistiu a várias palestras virtuais, leu livros e artigos e participou de uma competição em grupo para solucionar problemas reais da AmBev, onde trabalha há quase nove anos. Cada atividade rendia uma pontuação específica. Zibetti somou 9 mil pontos, e liderou um ranking entre os 336 gerentes sêniores.
Formada em administração, Zibetti conheceu e frequentou a Universidade Corporativa AmBev, com aulas e palestras presenciais designadas pela chefia, com horários estabelecidos. Quem não comparecia, perdia pontos - e, provavelmente, a cobiçada viagem oferecida pela empresa aos funcionários mais dedicados.
Em 2020, o programa se modernizou com a construção de uma plataforma online batizada de AmBev On. Agora, a empresa organiza programas para determinados cargos - alguns para as lideranças, outros para áreas operacionais -, com curadoria de conteúdos, que são divididos em trilhas. Cada funcionário escolhe um caminho de aprendizado - e consome o que quiser no dia e horário que bem entender. "A trilha que mais gostei foi a de relacionamento com clientes. Me chamou a atenção a escolha dos conteúdos. Então não era só sobre a viagem, o caminho motivava", relata Zibetti.
"Viramos uma plataforma de aprendizado e mudamos a visão: antes preparávamos melhores líderes, hoje queremos formar pessoas melhores para o mundo", explica Illana Kern, People Design BU Brazil na AmBev. Não à toa, dentro da plataforma, é possível aprender tanto sobre liderança, quanto sobre questões raciais e diversidade. E sem qualquer cobrança. "É para que entendam que ninguém vai cobrar treinamento. Quem não quis participar do On My Journey não participou e não ganhou viagem. E tudo bem", diz Kern.
Desafio prático
Depois do mergulho teórico, Zibetti e outros participantes encararam um hackathon - uma espécie de maratona hacker. Todos os participantes receberam em casa kits com camiseta, livros e produtos da empresa. Às nove da manhã, cada um escolheu e montou seu avatar e entrou num ambiente virtual de escritório virtual, com sofás, mesas, tapetes. Divididos em grupos de três a quatro pessoas, eles se depararam com o desafio de resolver o primeiro de oito problemas reais relatados pelos heads e vice-presidentes da AmBev.
Um deles era sobre como resolver a insatisfação do cliente com a indisponibilidade de produtos no aplicativo. Zabetti e a equipe dela entregaram duas opções: avisá-lo de que o produto estaria disponível dali a dois dias e, portanto, agendar o pedido para aquela data; ou criar um botão de "avise-me quando chegar". "Parece básico, mas a gente não tinha nada disso no aplicativo", explica a gerente. Foi o desempenho no hackathon e a dedicação aos conteúdos teóricos que garantiram a Zabetti e outros quatro colegas as passagens para os EUA.
Universidade do Hambúrguer
Ao contrário do que sugere o nome, nenhum funcionário do McDonald's ingressa nos cursos da Hamburger University para aprender a fazer um sanduíche perfeito. A universidade é um dos três pilares de desenvolvimento profissional oferecido pela empresa. "Usando uma analogia, o restaurante tem um papel quase como o do ensino fundamental, aprendizado mais técnico operacional", explica Josane Julião, reitora da Hamburger University. "Nossos centros de formação acadêmica [presentes em nove cidades brasileiras e voltada aos gerentes] equivalem ao ensino médio, e a universidade ao ensino superior."
Desde 1997, o Brasil entrou numa lista ainda pequena de países onde a rede de restaurantes montou uma estrutura física de aprendizado. Só outros oito países receberam a Universidade do Hambúrguer. Nela, desde gerentes até CEOs da América Latina recebem treinamento de liderança. É a mesma lógica de outras universidades corporativas: funcionários têm algumas trilhas de aprendizado para concluir. Só que, ao contrário da AmBev, os líderes da Arcos Dorados, a maior rede de franquias da lanchonete, têm cursos pré-estabelecidos a cumprir e outros opcionais.
"Existe um currículo base obrigatório para algumas posições em cada loja da franquia. Então, alguns cursos são requeridos para quem se candidata a elas", conta Julião. "Há, no entanto, outros programas de aprimoramento opcionais, com workshops e webinars, disponíveis para todos, não apenas para a liderança." Em geral, os cursos são rápidos, com carga horária de até 20h no modo remoto ou 48h presenciais (em tempos pré-pandêmicos).
Entre os 73 mil funcionários da organização na América Latina - 50 mil deles no Brasil -, só 2 mil ocupam cargos de gerência ou superiores. E, por isso, a empresa não oferece apenas os cursos da Hamburger University. "Desde 2015, evoluímos na América Latina para não olharmos apenas para a parte técnica e funcional, mas também para o desenvolvimento de competências para a vida. Temos um perfil de primeiro empregador formal, então recebemos jovens ainda muito crus", diz Julião. Por causa dessa característica, o McDonald's mantém parcerias com faculdades para que seus funcionários recebam bolsas de estudo e concluam a graduação - a partir daí, eles podem almejar um posto mais alto.
Reajuste pandêmico
A pandemia obrigou a rede de lanchonetes a mudar um pouco a visão em relação ao ensino à distância, algo que não consideravam produtivo antes da Covid-19. Por causa das restrições de mobilidade e necessidade de distanciamento social, a rede de franquias fez uma curadoria de conteúdo e colocou o conteúdo dos treinamentos à disposição de todos os funcionários numa plataforma digital. "Transformamos as palestras em webinar. Convidamos especialistas de fora da empresa para uma conversa e trazemos também alguém da Arcos Dorados, mostrando como a teoria se aplica ao nosso negócio", explica a reitora. Deu tão certo que os eventos, que aconteciam três vezes ao ano, ocorrem a cada quinze dias. E mais de 7 mil funcionários já receberam certificados. Somado aos outros cursos, a companhia emitiu 84 mil certificados em toda a América Latina.
O sucesso de popularidade foi tanto que, pela primeira vez na história, os cursos estão abertos para a população em geral. Qualquer pessoa pode se inscrever e fazer os cursos livres na plataforma "Receita do Futuro". São cinco possibilidades: atendimento ao cliente, empreendedorismo, finanças pessoais, saúde e bem-estar, e inteligência emocional.
Segundo pesquisa da empresa, realizada em parceria com consultoria Trendisty, 67% dos jovens entendem que precisam buscar cursos para compensar a falta de experiência. "As pessoas começaram a perceber valor no conhecimento, na aprendizagem ao longo da vida. Se não nos reinventarmos, não poderemos superar esta e outras crises", conclui Julião.
O Prêmio Lugares Incríveis para Trabalhar é uma iniciativa do UOL e da Fundação Instituto de Administração (FIA) que vai destacar as empresas brasileiras com os mais altos níveis de satisfação entre os seus colaboradores. Os vencedores serão definidos a partir dos resultados da pesquisa FIA Employee Experience, que mede o ambiente de trabalho, a cultura organizacional, a atuação da liderança e a satisfação com os serviços de RH. A pesquisa já está na fase de coleta de dados das empresas inscritas e os vencedores do Prêmio devem ser anunciados em agosto.
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