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Empresas adotam semana curta de trabalho sem baixar salário e produtividade

Semanas com quatro dias, sextas-feiras com expediente reduzido e folgas gerais em datas determinadas são estratégias das empresas para flexibilizar a rotina dos colaboradores. - Leon/Unsplash
Semanas com quatro dias, sextas-feiras com expediente reduzido e folgas gerais em datas determinadas são estratégias das empresas para flexibilizar a rotina dos colaboradores. Imagem: Leon/Unsplash

Julia Moióli

Do UOL, em São Paulo

25/08/2021 04h00

Entre 2015 e 2019, a câmara municipal de Reykjavik, capital da Islândia, testou uma iniciativa considerada impensável no mercado de trabalho até alguns anos atrás: reduziu a jornada de um grupo de trabalhadores sem alterar seus salários. Para quem questionou a efetividade da empreitada, os resultados foram um sucesso. A produtividade permaneceu inalterada (ou até melhorou, em muitos casos), e os participantes relataram menos estresse e melhor equilíbrio entre vida pessoal e profissional. Os sindicatos locais embarcaram na ideia e renegociaram o esquema de trabalho em quase todo o país. Com a nova semana de quatro dias, a Islândia passou a inspirar iniciativas semelhantes em todo o mundo.

Aqui no Brasil, a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) ainda crava 44 horas de trabalho por semana, embora esse período determinado não faça mais sentido para muitas funções. "Especialmente quando o trabalho passa a demandar mais subjetividade e criatividade, essa contagem de tempo precisa ser reformatada", acredita Anderson de Souza Sant'Anna, professor do Departamento de Administração Geral e Recursos Humanos da FGV EAESP. "Este tipo de trabalhador está o tempo inteiro vivenciando situações, pensando, estudando e conversando, ou seja, mesmo sem estar alocado em espaços e horários de trabalho formal, continua mobilizando competências produtivas."

A alteração na forma de trabalhar trazida pela pandemia de covid-19 também acelerou a necessidade de mudança na jornada. A pesquisa Marca Empregadora, da empresa de soluções de RH Randstad, realizada em 34 países ao longo dos últimos 20 anos, indica que o equilíbrio entre vida pessoal e profissional subiu duas posições no ranking de fatores que movem talentos na busca por oportunidades. De acordo com Diogo Forghieri, diretor da Randstad e especialista no estudo, nesse período, a preocupação em controlar a rotina dos funcionários para garantir produtividade logo se mostrou ultrapassada. Após os primeiros três meses da crise sanitária, com muita gente trabalhando em home office e, portanto, longe da chefia, a pesquisa identificou um aumento de 20% na produtividade.

O novo ambiente, contudo, trouxe dificuldades na hora de diferenciar vida pessoal e trabalho. "As empresas começaram, então, a buscar medidas criativas para propor um ambiente mais saudável e equilibrado, como a short week", afirma Forghieri. "O movimento começou por causa das restrições da pandemia e agora se tornou um ativo para algumas companhias, que conseguem reter e atrair talentos apostando na satisfação e no engajamento dos funcionários."

Thiago Veloso, head de marketing da Crawly - Acervo pessoal - Acervo pessoal
Para Thiago Veloso, head de marketing da Crawly, a semana curta é um benefício que ajuda a atrair talentos e torna a empresa mais competitiva no mercado.
Imagem: Acervo pessoal

É o caso da Crawly, que desenvolve soluções para busca, coleta e análise de dados para inteligência de negócios e uma das poucas por aqui a aderir à semana de quatro dias nos mesmos moldes da Islândia. "Sabemos que hoje, junto com realização profissional e financeira, a qualidade de vida e o bem-estar, principalmente mental, é uma das prioridades", diz Thiago Veloso, head de marketing. "Este benefício nos ajuda a atrair talentos e ter competitividade em relação a grandes empresas."

Com escritório em Belo Horizonte e funcionários em todo o Brasil trabalhando remotamente, a empresa trabalha com jornada reduzida para sua equipe de desenvolvimento desde que foi criada, em 2017. O planejamento das atividades permite que os funcionários trabalhem menos horas sem comprometer resultados. Outro trunfo que parece trivial entra contribui para essa equação: "O funcionário sabe que durante a semana terá um dia em que poderá resolver qualquer problema de fora do trabalho", aponta Veloso. "E com a cabeça mais tranquila, a performance é melhor."

A novidade funcionou tão bem que, este ano, a empresa estendeu a semana curta também para outras equipes, como comercial e marketing (diretoria e cargos de gestão trabalham normalmente de segunda a sexta).

Sextou

Aqui no Brasil, mesmo as empresas que não cortaram um dia inteiro de trabalho se mobilizam para diminuir a jornada e, assim, oferecer mais tempo livre aos funcionários. Uma das estratégias mais populares é a chamada short friday, termo em inglês para descrever uma sexta-feira com expediente mais curto, geralmente até às 15h, já adotada por diversas companhias pelo mundo.

"Na sexta-feira, orientamos para que as reuniões aconteçam prioritariamente no período da manhã. Assim, as pessoas podem se desconectar mais cedo", diz Juliana Wei, diretora de RH do Grupo Heineken no Brasil. A empresa incentiva a prática há anos e, recentemente, implementou um reforço poderoso à estratégia de encurtar a semana. Às terceiras sextas-feiras de cada mês, o próprio CEO bloqueia a agenda de todos os funcionários para se dedicarem a outras atividades.

Flavia Caroni, VP de People Latam na Kraft Heinz - Acervo pessoal - Acervo pessoal
Flavia Caroni, VP de People Latam na Kraft Heinz, explica a adoção da sexta curta na empresa: "Estabelecemos um dia oficial em que toda a empresa deixa de trabalhar mais cedo para aproveitar o final de semana."
Imagem: Acervo pessoal

O LinkedIn também adotou a short friday nos meses de julho e agosto deste ano. A Kraft Heinz, que começou com apenas uma sexta-feira livre no mês, já ampliou o meio período para todas. Na empresa do ramo alimentício, isso vale tanto para funcionários dos escritórios quanto das fábricas. "Incentivamos a utilização do benefício nesse dia específico para que os colaboradores tenham um dia oficial em que toda a empresa deixa de trabalhar mais cedo e para que aproveitem o final de semana", conta Flavia Caroni, VP de People Latam na Kraft Heinz, que implementou ainda o day off de aniversário. "Entendemos que a companhia faz parte da vida dos funcionários, mas que ela é apenas uma parte", diz Caroni. "Somente colaboradores felizes e saudáveis terão a capacidade de criar, moldar, propor soluções e inovar."

A farmacêutica Novartis e a VR Benefícios são outras que adotaram o modelo. Em maio deste ano, pesquisas semanais com os colaboradores da VR indicavam que a pandemia tem causado estresse e ansiedade, o que levou a empresa a implementar o Sextando VR. O programa vale para todas as sextas-feiras com exceção da última do mês. "Em média, 90% dos colaboradores participam, incluindo estagiários e jovens aprendizes", conta João Altman, diretor executivo de pessoas e cultura.

Outras ideias

Além da sexta-feira com expediente reduzido, o LinkedIn implantou, em abril deste ano, a RestUp Week!, uma semana de folga global remunerada para mostrar gratidão aos funcionários. "Entendemos que, especialmente nos últimos meses, a separação entre vida pessoal e profissional se tornou mais desafiadora e que, para sermos produtivos, precisamos fornecer as ferramentas e o ambiente para que todos estejam motivados", diz Alexandre Ullmann, diretor de recursos humanos do LinkedIn Brasil.

A Riot Games, desenvolvedora de jogos como League of Legends, também estabeleceu, em 2020, a semana global de folga, que se soma às férias coletivas oferecidas desde 2012, quando iniciou suas operações no Brasil. "Pode ser difícil encontrar um equilíbrio entre vida pessoal e carreira quando se trabalha com o que se ama. E, na indústria de games, sabemos as consequências de se trabalhar por extensas horas para cumprir prazos e finalizar projetos", acredita Diego Martinez, gerente geral no Brasil. "Ao dedicarmos um tempo extra para descanso, colaboramos com a nossa saúde física e mental, e consequentemente recarregamos as energias para criar produtos e experiências melhores aos nossos jogadores." Segundo Martinez, o desempenho das equipes tende a melhorar quando estão descansadas e se sentem seguras por trabalhar numa empresa que se preocupa com o bem-estar.

Priscilla Cotti, diretora de RH da Sandoz - Acervo pessoal - Acervo pessoal
Para Priscilla Cotti, diretora de RH da Sandoz, ter flexibilidade nos horários de trabalho é um fator de motivação para os funcionários.
Imagem: Acervo pessoal

"O engajamento das pessoas vai além da remuneração, e a flexibilidade no trabalho acaba sendo motivadora", concorda Priscilla Cotti, diretora de RH da Sandoz. No momento, a farmacêutica testa um programa piloto de um dia de folga, na 2ª segunda-feira de cada mês. A ideia surgiu depois que os colaboradores abordaram temas como carga de trabalho e necessidade de pausa em um dos encontros organizados pela companhia - e o dia da semana foi escolhido por ser o que causaria menor impacto nos negócios.

O Prêmio Lugares Incríveis para Trabalhar é uma iniciativa do UOL e da Fundação Instituto de Administração (FIA) que vai destacar as empresas brasileiras com os mais altos níveis de satisfação entre os seus colaboradores. Os vencedores serão definidos a partir dos resultados da pesquisa FIA Employee Experience, que mede o ambiente de trabalho, a cultura organizacional, a atuação da liderança e a satisfação com os serviços de RH. A pesquisa já está na fase de coleta de dados das empresas inscritas e os vencedores do Prêmio serão anunciados em 31 de agosto, às 14h, ao vivo, no Canal UOL.