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Seria uma boa ideia liberar o governo para gastar quanto dinheiro quiser?

Aprovada na Câmara, PEC dos precatórios é discutida agora no Senado - Ana Volpe/Agência Senado
Aprovada na Câmara, PEC dos precatórios é discutida agora no Senado Imagem: Ana Volpe/Agência Senado

Fabrício de Castro

Do UOL, em Brasília

04/12/2021 04h00

A discussão sobre de onde o governo vai tirar dinheiro para bancar o novo Auxílio Brasil (ex-Bolsa Família) acontece porque a lei hoje limita os gastos públicos. Por isso foi feita a PEC (Proposta de Emenda à Constituição) dos Precatórios, aprovada na quinta-feira no Senado. Ela dá um calote em quem tem dinheiro a receber do governo. É um jeitinho de o governo gastar mais sem quebrar a regra, em tese.

Isso tem causado debates sobre o chamado teto de gastos. Ele deve continuar existindo como está, precisa ser mudado ou deve simplesmente acabar, liberando o governo para gastar quando for necessário? Leia a seguir o que está acontecendo e a opinião de economistas sobre como resolver o problema.

Gastar mais para bancar o Auxílio Brasil

O governo tenta abrir espaço para uma série de gastos no Orçamento de 2022. Entre os objetivos estão o financiamento do Auxílio Brasil, o programa que substituiu o Bolsa Família, e o reajuste dos salários dos servidores federais.

Economistas de fora do governo e a oposição, no entanto, vêm criticando o teor da PEC, que entre outras coisas altera o chamado teto de gastos, a regra fiscal constitucional que limita a despesa pública ao Orçamento do ano anterior corrigido pela inflação. A visão é de que, com a justificativa do Auxílio Brasil, o governo vai expandir os gastos em ano eleitoral.

Críticos à PEC afirmam que o teto de gastos até pode ser aperfeiçoado, mas o momento não é o ideal. Também não há consenso sobre o que fazer. Enquanto alguns defendem a retirada dos precatórios do teto de gastos, outros querem que os investimentos do governo não entrem na conta.

O que o governo quer

A PEC dos precatórios abre espaço de R$ 106,1 bilhões para o governo em 2022, conforme os cálculos mais recentes do Tesouro Nacional. Anteriormente, a estimativa era de R$ 91,6 bilhões. A Instituição Fiscal Independente (IFI), do Senado, calcula uma folga de R$ 93 bilhões.

Os recursos seriam usados para bancar o Auxílio Brasil, programa pelo qual o governo promete pagar R$ 400 por mês para cerca de 17 milhões de pessoas até o fim de 2022. Pelos cálculos do Tesouro, R$ 51,1 bilhões iriam para o programa. Outros R$ 5,3 bilhões seriam usados na prorrogação da desoneração da folha de pagamentos.

Além disso, seriam aplicados obrigatoriamente R$ 48,6 bilhões no reajuste de gastos sociais (benefícios da Previdência, abono e seguro-desemprego), em emendas parlamentares impositivas (projetos de deputados e senadores) e nas áreas de saúde e educação, entre outras despesas.

Assim, do total, sobraria R$ 1,1 bilhão ainda sem destinação, conforme o Tesouro. Antes, o órgão calculava cerca de R$ 10 bilhões de folga. A IFI trabalha com uma cifra de R$ 24,5 bilhões.

Essa eventual sobra vem sendo alvo de críticas de políticos e, ao mesmo tempo, tem servido para sustentar promessas do presidente Jair Bolsonaro. Parlamentares da oposição temem que os recursos sejam usados no pagamento de emendas parlamentares, por meio do chamado "orçamento secreto". Bolsonaro tem sinalizado com a possibilidade de uso de recursos em um reajuste de servidores federais.

Por que a PEC é tão importante?

Para viabilizar essas despesas, a PEC traz duas mudanças principais. Em primeiro lugar, permite o adiamento do pagamento de parte dos R$ 89 bilhões em precatórios devidos pela União em 2022. Pelos cálculos atualizados do Tesouro, isso gerará uma folga de R$ 43,8 bilhões.

Precatórios são títulos que representam dívidas que o governo federal tem com pessoas físicas e empresas, provenientes de decisões judiciais definitivas. Quando a decisão judicial é definitiva, o precatório é emitido e passa a fazer parte da programação de pagamentos do governo federal.

Em segundo lugar, a PEC muda o prazo para o cálculo do teto de gastos. O texto prevê que o limite seja determinado não mais pela inflação acumulada em 12 meses até junho do ano anterior, mas pela inflação nos 12 meses até dezembro do ano anterior.

Com essa mudança técnica, haverá uma folga de R$ 62,2 bilhões em 2022, pelos cálculos do Tesouro Nacional.

Senadores criticam estouro do teto

Antes da aprovação no Senado, três senadores apresentaram um texto alternativo à PEC, em que o teto de gastos é rompido apenas em 2022, e não nos demais anos, como quer o governo. Além disso, não haveria o adiamento no pagamento de precatórios.

Nessa proposta alternativa, os R$ 89 bilhões em precatórios a serem pagos pelo governo em 2022 ficariam fora do teto. Seria um ano excepcional. Deste montante, R$ 64 bilhões seriam usados para financiar o Auxílio Brasil.

Os R$ 25 bilhões restantes iriam para o pagamento de benefícios da Seguridade Social —e não para reajuste de salários de servidores ou para emendas parlamentares, por exemplo.

Na prática, a proposta fecha as portas para gastos considerados eleitoreiros.

O governo persiste na ideia de mudar a regra do teto e de não pagar os precatórios. Eles insistem nessas duas teclas, com as quais a gente não concorda: a questão do teto porque você rompe uma âncora fiscal importante, e a questão do precatório porque, enfim, é calote
Alessandro Vieira, senador (Cidadania-SE)

Em 2023, pela proposta dos senadores, os precatórios voltariam a ser pagos dentro do teto de gastos.

Apesar de defender a manutenção do teto, Alessandro Vieira não descarta mudanças nas regras. Ao mesmo tempo, não vê espaço político para que alterações estruturais sejam feitas neste momento, às vésperas da corrida presidencial.

Como aperfeiçoar o teto atual

Economistas ouvidos pelo UOL afirmam que o teto de gastos pode ser aperfeiçoado, mas o momento atual não é realmente o melhor para isso. Além de lidar com o compromisso de R$ 89 bilhões de precatórios em 2022, governo e Congresso correm para viabilizar o pagamento de R$ 400 do Auxílio Brasil para 17 milhões de pessoas já a partir de janeiro.

O teto pode até ser aperfeiçoado. O debate não deve ser interditado. No entanto, não é isso que está ocorrendo agora. A proposta que vem da Câmara acaba com o teto de gastos e não põe nada em seu lugar. O que se propõe é meramente mudar o cálculo do limite para poder gastar mais
Felipe Salto, diretor executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI), do Senado

Ao avaliar mudanças mais para a frente, o economista Nelson Marconi, coordenador do Centro de Estudos do Novo Desenvolvimentismo da FGV (Fundação Getúlio Vargas), afirma que um dos problemas da lei atual é restringir as despesas do setor público ao Orçamento do ano anterior atualizado pela inflação. "Isso em algum momento iria explodir", diz.

Marconi defende um mecanismo que permita que o governo gaste mais em momentos em que a economia vai mal, como agora.

O teto deveria deixar de fora a despesa com investimentos públicos. Seriam investimentos na infraestrutura de logística, na infraestrutura social, como os das áreas de mobilidade urbana e saneamento. Hoje, a despesa que mais é cortada pelo governo para cumprir a regra do teto é a despesa com investimento. E ela é importante para retomar o crescimento
Nelson Marconi, da FGV

O economista defende ainda que alguns programas sociais fiquem fora do teto de gastos, como o Bolsa Família (hoje, Auxílio Brasil).

Mudanças estruturais

Crítico da proposta do governo na PEC dos precatórios, o sócio e economista-chefe da RPS Capital, Gabriel Barros, afirma que a alternativa sugerida pelos senadores é "menos pior", porque mantém o teto de gastos de pé.

"O regime fiscal não é alterado, o teto continua valendo, o precatório é pago à vista. Isso é importante porque não cria uma dívida fora do balanço, que vai se acumulando, sabe-se lá até quando", diz Barros. "A proposta dos senadores não gera esqueleto, além de fechar a porta para o uso do dinheiro em salários e emendas."

O especialista lamenta, no entanto, que a solução trazida pelos senadores seja apenas para 2022.

Minha sugestão é que os precatórios sejam retirados do teto para sempre. A ideia não é muito boa, mas perto da versão que temos, é um mal menor. Eu colocaria tudo numa proposta só: reforma administrativa para economizar no mínimo R$ 300 bilhões em dez anos, extinção do abono salarial, que é um programa social pouco efetivo, e corte de despesas por parte do Executivo
Gabriel Barros, da RPS Capital

Para o economista, não seria positivo a retirada dos investimentos do teto em um primeiro momento. "O Brasil já tentou turbinar muito o investimento público no passado. Só que sua qualidade é baixa", afirma. "É prematuro o debate de excluir o investimento do teto, sem que se resolva a questão da qualidade."