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Contratação de refugiados promove diversidade migratória em empresas

Enquanto faz provas para ter o diploma validado no Brasil, o médico venezuelano Jesus Segovia só conseguiu entrar no mercado de trabalho por meio de uma política de contratação de refugiados da empresa de contact center Sitel. - Jonas Shartener
Enquanto faz provas para ter o diploma validado no Brasil, o médico venezuelano Jesus Segovia só conseguiu entrar no mercado de trabalho por meio de uma política de contratação de refugiados da empresa de contact center Sitel. Imagem: Jonas Shartener

Julia Moióli

Colaboração para o UOL, em São Paulo

12/04/2022 04h00

Quando chegou ao Brasil, em 2017, o venezuelano Jesus Segovia, de 30 anos, precisava de um emprego formal para se manter legalmente no país. Na mesma época, a empresa de contact center Sitel ampliava seus serviços de atendimento em espanhol e buscava colaboradores nativos no idioma.

O encontro entre necessidade e oportunidade rendeu frutos para os dois lados: Segovia se estabeleceu e trouxe a família para cá. A companhia, por sua vez, ampliou seus negócios e gerou impacto social - acompanhado de engajamento e inovação.

A contratação de refugiados como forma de ampliar estratégias de diversidade e inclusão é benéfica em vários sentidos: ao mesmo tempo em que melhora o desempenho financeiro das empresas (como indicam pesquisas realizadas desde 2015 pela consultoria McKinsey), é uma oportunidade de inclusão social para os mais de 57 mil refugiados que vivem no Brasil - dados do Conare (Comitê Nacional para os Refugiados).

"São pessoas capacitadas, que se engajam, dão o seu melhor pela oportunidade e trazem uma experiência de vida que nos faz refletir e nos colocar um pouco mais no lugar do outro", diz Welington Alves, country manager da Sitel Brasil. "É um tapa na cara para pensarmos um pouco mais no próximo."

Segovia é cirurgião pediátrico e trabalhou na Sitel por quatro anos até ser aprovado no Revalida (Exame Nacional de Revalidação de Diplomas Médicos, do Ministério da Educação) no início deste ano. "No começo, os brasileiros não se misturavam muito com os outros latino-americanos, mas com o tempo nos integramos e todos ganharam com isso", relata, acrescentando que usou sua experiência profissional para incentivar a prática de exercícios físicos entre os funcionários.

Welington Alves, country manager da Sitel Brasil - Douglas Luccena - Douglas Luccena
A Sitel Brasil, do country manager Welington Alves, é uma das empresas brasileiras que mais contrata refugiados. A meta é ter mil colaboradores em situação de refúgio até 2023.
Imagem: Douglas Luccena

O programa da Sitel, que foi reconhecida pela Agência da ONU para refugiados (ACNUR) como uma das empresas brasileiras que mais contrata refugiados, começou com 10 funcionários em 2018, hoje já soma 800 e tem como meta chegar a mil até 2023 —num universo de 4.600 colaboradores.

"A principal riqueza para uma companhia é contar com pessoas que se engajam por poderem ser quem são", reforça Rozália del Gaudio, diretora de comunicação e sustentabilidade da Localiza, que tem como valores diversidade, respeito e coragem, todos ligados à situação de refúgio.

A rede especializada em aluguel de carros começou a empregar refugiados em 2010, com o terremoto no Haiti, e hoje tem 128 funcionários imigrantes de 24 nacionalidades. Segundo a executiva, 55% vêm do Haiti e 13%, da Venezuela, que estão entre os países que mais enviam refugiados ao Brasil.

"Abrigar e empregar refugiados contribui para um mundo de mais respeito, empatia e possibilidade de conexões genuínas entre as pessoas", completa.

Recepção é tão importante quanto a vaga

Assim como outras ações ligadas à diversidade, a inclusão de imigrantes exige mudanças de procedimentos internos, treinamento da liderança e letramento dos colaboradores. Na Localiza, por exemplo, os gestores passam por treinamentos frequentes de vieses inconscientes. Além disso, a empresa traduziu todos os cursos da Universidade Localiza para inglês, francês e espanhol, os três idiomas mais falados na empresa além do português.

Junto com a ACNUR, a Amanco Wavin mantém o projeto "Além das Fronteiras", que hoje conta com 20 trabalhadores refugiados. A fabricante de tubos e conexões hidráulicas também se prepara para abrir outras dez vagas para refugiados como jovens aprendizes e estagiários. Além de oferecer empregos, a empresa investe em acompanhamentos psicológico e de gestão financeira e em aulas de português, além de treinar toda liderança para receber esses colaboradores.

"Hoje, os gestores pedem abertamente a contratação de refugiados porque eles são diferenciados no engajamento que têm pelo trabalho", conta Ana Luísa Winckler, head de pessoas para o Brasil e de projetos de transformação para América Latina.

O Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo, é outra instituição atenta à diversidade migratória. "A condição de refugiado remonta à nossa história e à acolhida que os judeus tiveram no pós-guerra, e nosso objetivo é seguir com esse legado", lembra a gerente de seleção, diversidade e inclusão Priscila Surita. "Sabemos que imigrantes trazem novas perspectivas e olhares."

Para isso, o hospital realizou há alguns anos um piloto com dez vagas para pessoas direcionadas pelo Instituto Adus, ONG que promove a integração de refugiados na sociedade brasileira. Os profissionais foram designados para diferentes funções, como assistentes de atendimento e de cozinha.

A meta atual é treinar refugiados para tecnologia, setor que mais carece de mão de obra qualificada. Com o auxílio da Toti, plataforma de ensino que forma refugiados e migrantes, o Einstein estruturou um curso de ciência de dados com duração de quatro meses para 30 pessoas. A ideia é que esses profissionais ocupem cerca de 40 vagas.

Mulheres primeiro

Das mais de 25 mil pessoas que foram reconhecidas como refugiadas pelo Conare somente em 2020, 44,3% eram mulheres. O número mostra a necessidade de criação de oportunidades específicas para o público. Empresas como a BRK, de saneamento, e a Renner, que têm entre seus valores mais importantes a representatividade de gênero, aderiram à causa.

A fim de qualificar mão de obra feminina para suas operações em Recife, a BRK Ambiental, onde o cargo de CEO é ocupado por uma mulher (a executiva Teresa Vernaglia), desenvolveu o programa "Reinventar", que formou e empregou, como encanadoras e instaladoras hidráulicas, seis refugiadas sem experiência prévia em saneamento, em 2020. O sucesso do programa abriu outras quatro vagas em Maceió.

Lia Mors, gerente de recursos humanos da BRK Ambiental - Acervo pessoal - Acervo pessoal
A BRK Ambiental, da gerente de recursos humanos Lia Mors, desenvolveu o programa "Reinventar", que formou e empregou refugiadas em Recife e Maceió no ano de 2020.
Imagem: Acervo pessoal

"Além de despertar o senso de comunidade e de equipe, ações como essa mostram que temos lugar para todo mundo na empresa e que estamos dispostos a investir em mulheres", acredita a gerente de recursos humanos Lia Mors.

Por meio do programa "Empoderando Refugiadas", iniciado em 2016 em conjunto com ACNUR, Pacto Global e ONU Mulheres, o Instituto Lojas Renner também promove formação em atendimento e vendas para o varejo, que abre oportunidades na própria empresa ou em outras companhias do grupo, como Youcom, Camicado, Ashua, Realize e Repassa.

O programa, que já capacitou mais de 300 mulheres e propiciou cerca de 100 contratações apenas pela Renner, oferece ainda especializações em costura e empreendedorismo, inclusive com aulas sobre direitos humanos.

Eduardo Ferlauto, gerente geral de sustentabilidade da Lojas Renner e diretor executivo do Instituto Lojas Renner - Fabiano Panizzi - Fabiano Panizzi
Por meio do programa "Empoderando Refugiadas", o Instituto Lojas Renner, do diretor executivo Eduardo Ferlauto, já capacitou mais de 300 mulheres -- 100 delas foram contratadas pela Renner.
Imagem: Fabiano Panizzi

"Contar com colaboradores de países e culturas diferentes torna nosso ambiente mais fértil à inovação", acredita Eduardo Ferlauto, gerente geral de sustentabilidade da Lojas Renner e diretor executivo do Instituto Lojas Renner.

A ACNUR, mencionada ao longo da reportagem, salienta que Sitel, Amanco, Renner, Localiza e BRK Ambiental fazem parte do Fórum Empresas com Refugiados, iniciativa da agência e da Rede Brasil do Pacto Global. "O Fórum promove a troca de experiências entre empresas de diferentes portes e setores, realiza ações de capacitação para a contratação profissionais de refugiados e fomenta o compartilhamento de boas práticas na inclusão de pessoas refugiadas nos ambientes de trabalho."

Lugares Incríveis para Trabalhar

O Prêmio Lugares Incríveis Para Trabalhar é uma iniciativa do UOL e da FIA para reconhecer as empresas que têm as melhores práticas em gestão de pessoas. Os vencedores são definidos a partir da pesquisa FIA Employee Experience (FEEx), que mede a qualidade do ambiente de trabalho, a solidez da cultura organizacional, o estilo de atuação da liderança e a satisfação com os serviços de RH. As inscrições para a edição 2022 estão abertas e vão até 30 de maio.