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Reinaldo Polito

Moro vira meme com erro de português; como evitar isso ao falar em público?

03/04/2019 11h08

Durante discurso que proferiu na Câmara dos Deputados, o ministro da Justiça, Sergio Moro, explicava sobre a interpretação que se deve fazer quando uma mulher reage à violência doméstica. Nesse instante, o ministro falou em "conje" quando se referia a "cônjuge".

Foram suas palavras: "A possibilidade, por exemplo, de uma mulher, uma 'conje', seja morta pelo seu 'conje' ...". E, se não bastasse, deu mais uma grave escorregadela. Disse "vim" no lugar de "vier": "... [se] a mulher, reagindo eventualmente, cometer algum excesso e não 'vim' a ser condenada como uma homicida por conta..."

No primeiro caso, a pronúncia de "conje" no lugar de "cônjuge" foi apenas um problema de dicção. Bastaria caprichar mais na pronúncia das palavras. Quanto ao verbo, já é diferente, pois se trata mesmo de um equívoco.

A galera não perdoou. As frases do ministro caíram como raio nas redes sociais e viralizaram. A questão que se levanta é esta: até que ponto alguém pode cometer deslizes gramaticais? Quem tem "o direito" de pronunciar mal as palavras? Será que o ministro Sergio Moro pode ser perdoado por esses pecadilhos? Vale a pena refletirmos sobre os limites que podem ou não ser ultrapassados.

Quando algumas pessoas estão sob forte pressão, em certas circunstâncias, cometem erros elementares que cometiam na época da infância, ou por influência da família, ou dos amigos. Tive alunos com pós-doutorado no currículo que, por estarem nervosos na tribuna, diziam "vinher" (em vez de vier), "rezisto" (no lugar de registro) e outras pérolas semelhantes. Exatamente como se comunicavam na infância.

Com a descarga excessiva de adrenalina, mesmo às vezes aparentando calma, por dentro se sentem tão desconfortáveis que perdem um pouco a consciência do que estão dizendo. E falam da mesma maneira como falavam antes de adquirir uma sólida formação acadêmica ou de ter uma convivência social em que os rigores de uma comunicação mais formal acabavam sendo exigidos. É difícil encontrar com certeza qual o motivo de ter levado Moro a cometer essas incorreções.

Ninguém duvida de sua excelente formação, da sua escolaridade, do seu preparo. Com certeza ele sabe como conjugar corretamente um verbo e pronunciar a palavra "cônjuge". Já não é a primeira vez, porém, que observo o ministro cometendo equívocos gramaticais.

Aí é que está a grande questão desta nossa reflexão. Se fosse o Lula, que não teve nenhum preparo intelectual, ninguém seria tão rigoroso na crítica. Mesmo o Bolsonaro, que vive maltratando o Rui Barbosa, também contaria com a "benevolência" das pessoas. Quando os deslizes ocorrem, entretanto, com alguém como Moro, ou o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, com longa estrada de bancos escolares, há críticas, pois não é admissível que escorreguem assim na linguagem, na gramática.

Ninguém deve se preocupar com o perfeccionismo gramatical, pois a preocupação perfeccionista pode tirar a espontaneidade. Devemos ter em conta, entretanto, que a imagem de competência é construída ao longo de uma vida de estudos, pesquisas e árduo trabalho. Esse preparo provoca uma expectativa de excelência de quem se comunica. Se essa expectativa for frustrada, a crítica é quase sempre mais severa.

Essas falhas de Moro não irão, entretanto, prejudicar sua reputação nem sua credibilidade, já que ele tem muitos pontos de sobra para sua defesa. Acho, contudo, que será um bom aprendizado para que ele fique mais atento e se expresse com mais cautela em suas próximas apresentações.

Valeria até a pena, se ele quiser um conselho, que revisasse os vídeos com seus pronunciamentos e palestras para verificar quais são os deslizes que tem cometido. Com certeza, não os encontrará em grande quantidade. São os detalhes, entretanto, que -certos ou errados- às vezes podem indicar lacunas na formação.

Se não puder fazer essa tarefa por causa de suas inúmeras atividades, talvez possa pedir a um assessor para se dedicar a esse trabalho. Julgo que um terceiro seria até mais útil, pois não estaria preso a determinados vícios que o próprio ministro deve ter incorporado.

Superdicas da semana:

  • Vale a pena observar se não cometemos equívocos gramaticais no dia a dia
  • Quando falamos em público, esses equívocos surgem sem que percebamos
  • Ninguém deve se preocupar com o perfeccionismo gramatical
  • A preocupação perfeccionista pode tirar a espontaneidade
  • Equívocos graves, entretanto, podem comprometer a imagem
  • Não é o erro em si, mas as lacunas que ele indica existir na formação de quem fala

Livro de minha autoria que pode ajudar a refletir sobre esse tema: "Superdicas para escrever uma redação nota 1.000 no ENEM", publicado pela Editora Benvirá.

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