Desejar o que o outro tem nem sempre é inveja
No Brasil, sucesso é ofensa pessoal.
Tom Jobim
O jurista Edilson Mougenot Bonfim, que publicou brilhante texto na Folha de S.Paulo no último dia 3, "O parto de uma calúnia", em recente gravação para o seu canal no YouTube, explica o que é o sentimento da inveja:
"É o pecado mais antigo do mundo que levou o homem ao homicídio - a inveja. Este fogo de gelo, que diz o personagem Joaquim, de Miguel de Unamuno: é o inferno na terra. A inveja não é somente não querer que o outro tenha algo. A inveja não é somente querer o que é do outro. É querer que o outro também não o tenha".
Sem que percebamos, podemos, às vezes, dar demonstração de que estamos tomados por esse sentimento. Pela entonação da voz, expressão corporal e tipo de vocabulário que utilizamos, chegamos a dar indícios de que invejamos as conquistas daqueles com quem nos relacionamos, e, naturalmente, nos comparamos.
Da mesma forma, o comportamento das outras pessoas pode indicar que estamos mantendo contato com gente de olho gordo. A forma como nos dirigem o olhar, a maneira como fazem as pausas, mais ou menos prolongadas, os elogios forçados e até incomuns usados para enaltecer nossos feitos podem nos dizer que esse sentimento está presente.
Armando Nogueira, que foi diretor de jornalismo da Rede Globo, em palestra num evento denominado "Câmera 90", quando havia deixado a emissora, contou que no tempo em que ocupou o cargo de direção arrumou uma úlcera imaginária. Todas as pessoas que chegavam invejando sua posição ouviam reclamações da úlcera que não o deixava em paz. Disse que assim neutralizava esse sentimento ruim.
Calma aí. Antes de começar a se proteger com úlceras imaginárias, galho de arruda atrás da orelha e dente de alho no bolso, saiba que nem sempre o que nós e as outras pessoas sentimos é inveja, mas sim emulação. Vamos analisar sob a ótica aristotélica quais são as diferenças entre um sentimento e outro.
Aristóteles esclarece
Segundo o pensador grego, em sua "Arte retórica", escrita há 2.400 anos, a inveja é um sentimento desprezível e vil, pois quando somos tomados por ela pretendemos impedir que outras pessoas conquistem determinados bens, obtenham certas honrarias ou possuam virtudes. Ou seja, torcemos para que o outro não tenha, ou, se tiver, que perca o que conquistou.
A emulação, ao contrário, é um sentimento decente, próprio das pessoas virtuosas, já que, ao sermos tomados por ela, queremos esses bens, honrarias e virtudes sem a intenção de que as outras pessoas sejam impedidas de obtê-las. Nesse caso, queremos ter as vantagens, mas não desejamos que o outro não as conquiste, nem perca o que conquistou.
Um exemplo conhecido em psicologia é o fato de um garotinho almejar possuir os mesmos atributos e características do pai. O mesmo ocorre na vida corporativa, quando se faz uso de referências de outras empresas para determinar os rumos que a própria empresa deve seguir.
Outra situação elucidativa pode ser constatada nos comentários sinceros para elogiar o autor de um texto bem produzido, ou de uma obra admirável, ao dizer com autenticidade que gostaria de ter a mesma competência para realizá-la.
Por que o Brasil nunca ganhou um prêmio Nobel?
E quando o sentimento da inveja atinge muitas pessoas ao mesmo tempo? Vamos analisar o trecho de uma entrevista muito curiosa concedida por Ozires Silva ao programa Roda Viva, da TV Cultura de São Paulo. Imagino que todos tenham ouvido falar nesse competente e vitorioso executivo.
Só para termos ideia de sua autoridade para tratar dos mais diferentes temas que envolvem a nossa sociedade, basta mencionar alguns de seus feitos. Como ministro, ele comandou os ministérios da Infraestrutura e das Comunicações do Brasil. Presidiu e ajudou a fundar a Embraer, além de ter sido presidente da Petrobras e da Varig.
Ozires Silva contou a seguinte história: "Outro dia eu estava refletindo por que o Brasil não tem prêmio Nobel. Argentina tem, Venezuela, Colômbia, Estados Unidos têm mais de 300, México e assim por diante. E nós não temos prêmio Nobel. (Por quê?). Exatamente essa pergunta que eu tive oportunidade (de fazer) num jantar em Estocolmo, quando eu tinha na minha frente três membros do comitê que indica os prêmios Nobel.
E eu fiz essa pergunta para eles. Não responderam imediatamente porque acho que ficaram meio embaraçados. Mas talvez depois de umas doses de vodca, um deles disse: 'vou responder à sua pergunta. Vocês brasileiros são destruidores de heróis'. Foi uma pancada no estômago. E indaguei, por quê?
Ele falou --todos os candidatos brasileiros que apareceram, contrariamente a de outros países, em particular os Estados Unidos, quando surge um candidato brasileiro todo mundo joga pedra. Não tem apoio da população. Parece que um brasileiro desconfia do outro, ou tem ciúme. Sei lá o que acontece". Suponho que ao falar sobre "ciúme" Ozires Silva estava se referindo à "inveja".
As pessoas não têm condição de conquistar um prêmio dessa magnitude, mas não quer que um seu conterrâneo obtenha essa honraria? Uma conquista que nos poderia encher de orgulho agride tanto os "apoucados de espírito", os invejosos, que preferem ficar sem o prêmio para o país?
Quando sentimos inveja ou emulação
Essa é uma reflexão importante para nos conscientizarmos de como nos comportamos diante do sucesso do outro. Gostaríamos de um dia conquistar essa vitória, mas sem desejar que a pessoa deixe de obtê-la? Esse é sentimento de emulação. Um sentimento sadio, legítimo e virtuoso, traduzido não apenas pelas nossas palavras, mas também, e, principalmente, pelas nossas atitudes.
Superdicas da semana:
Vamos relacionar resumidamente os motivos que, segundo Aristóteles, levam a suscitar emulação. Quem possui:
- Bens honoríficos
- Virtudes
- Disposição em fazer o bem ao próximo
- Amizades, riqueza, beleza, coragem, saber, autoridade, fama, competência
O contrário da emulação é o desprezo. Levam a suscitar desprezo quem possui defeitos que se opõem às qualidades mencionadas.
Livros de minha autoria que ajudam a refletir sobre esse tema: "29 Minutos para Falar Bem em Público", publicado pela Editora Sextante; "As Melhores Decisões não Seguem a Maioria", "Oratória para advogados", "Assim é que se Fala", "Conquistar e Influenciar para se Dar Bem com as Pessoas" e "Como Falar Corretamente e sem Inibições", publicados pela Editora Saraiva; e "Oratória para líderes religiosos", publicado pela Editora Planeta.
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