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Reinaldo Polito

Quem fala bem e quem fala mal no governo de Bolsonaro?

13/08/2019 04h00

Geralmente aqueles que sabem pouco falam muito e aqueles que sabem muito falam pouco
Jean-Jacques Rousseau

Você já deve ter ouvido a seguinte frase: não adianta apenas fazer, é preciso saber comunicar bem o que foi feito. É comum nas empresas alguns executivos reclamarem de colegas que fazem pouco, não sabem muito, mas conseguem vender o peixe como ninguém. Vira e mexe, são cumprimentados pelos superiores hierárquicos e citados como exemplos.

Como é possível profissionais que possuem apenas um verniz de competência se manterem sob os holofotes como se fossem astros de primeira grandeza? São bons de bico. E não é em um ou outro momento, pois quase o tempo todo circulam de um lado para outro comendo galinha e arrotando peru. Até as pessoas descobrirem que estão diante de um castelo de areia transcorre quase uma eternidade.

A esperança fica depositada na frase atribuída a Abraham Lincoln: "Pode-se enganar a todos por algum tempo; pode-se enganar alguns por todo o tempo; mas não se pode enganar a todos por todo o tempo". Dia mais cedo, dia mais tarde alguém acaba descobrindo que o empavonado era uma fraude. Falando em enganar, parece que essa frase atribuída ao ex-presidente norte-americano que acabo de citar não é da lavra dele.

Ministros precisam falar, mas falar bem

Um ministro, por exemplo, pode trabalhar diuturnamente e realizar as maiores proezas, mas se não souber se comunicar, correrá o risco de permanecer no ostracismo. Alguns chegam até a ser trocados nas recorrentes reformas ministeriais, e muita gente nem fica sabendo de seus feitos.

Também não adianta muito fazer discurso e dar entrevistas o tempo todo se não souber como se comunicar. Em determinadas circunstâncias, se a comunicação for muito ruim, é preferível ficar de boca fechada e só falar quando o momento for muito favorável.

O duro é que esses que não sabem se comunicar nem sempre têm consciência dessa falta de competência oratória. Como estão sempre cercados de lambe-botas, verdadeiros puxa-sacos que só sabem fazer elogios mesmo que o chefe só abra a boca para dizer asneiras, perdem a capacidade de se auto avaliar e continuam metendo os pés pelas mãos fazendo a alegria dos jornalistas.

Afinal, quem sabe ou não se comunicar no governo Bolsonaro? Se nos ativermos apenas aos ministros, temos 22 casos diferentes muito bons para serem analisados. Não precisamos, entretanto, de tantos assim para entendermos como anda a comunicação dessa turma. Vamos pegar quatro ministros para fazer uma rápida avaliação.

Damares até faz, mas se atrapalha ao falar de seus feitos

Vale a pena começarmos com a ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves. Talvez de todos os ministros quem leva mais bordoada pela forma como se expressa seja ela. Por melhor que seja sua comunicação em determinado evento, alguém vai garimpar uma frase lá no meio do discurso para criticá-la. É um bom exemplo de alguém que realiza, mas por causa da sua comunicação não consegue se projetar com suas realizações.

Vamos citar algumas de suas conquistas: Apresentou ideia para a criação de creches públicas para idosos. Projeto para a construção de 110 cisternas em regiões carentes do semiárido. Esse projeto atenderá quase 4.000 famílias do Ceará, Bahia, Paraíba, Pernambuco e Rio Grande do Norte. Projeto de Política Nacional de Prevenção da Automutilação e do Suicídio.

Bem, são alguns exemplos. Qualquer rápida pesquisa poderá apontar inúmeras iniciativas importantes do seu ministério. Entretanto, quando a ministra fala, acaba dando notícia para ser até ridicularizada. Isto é, em vez de falarem de suas conquistas, falam a respeito de suas "derrapadas".

Ficaram famosas suas declarações como, por exemplo, dizer que a princesa Elza, tão conhecida pelo filme Frozen, seria lésbica. Mais comentada ainda foi a sua afirmação de que menino veste azul e menina veste rosa. Sem contar sua experiência quando ao subir numa goiabeira viu Jesus.

Da mesma maneira, não seria difícil localizar outras frases famosas de Damares Alves com uma busca na internet. Com essa maneira de se comunicar, a ministra dá margem a comentários jocosos e maldosos. O problema na comunicação de Damares talvez esteja na sua espontaneidade excessiva e no hábito de se expressar metaforicamente.

As pessoas pegam suas palavras ao pé da letra e fazem a crítica pelo que disse com as palavras, sem considerarem o que as informações efetivamente pretendiam comunicar. Pessoas que ocupam cargos importantes como esse da ministra não podem falar com mensagem subentendida, precisam usar termos que traduzam o que exatamente pretendem dizer. Dessa forma, não haveria interpretações equivocadas, seja por incompreensão, seja por maldade.

Paulo Guedes melhorou com o tempo

Agora um exemplo de alguém que sabe usar a palavra em público, o ministro da Economia, Paulo Guedes. Ele iniciou suas atividades no governo dando algumas escorregadas com a sua oratória. Logo na estreia perdeu o controle e agrediu verbalmente, sem necessidade, uma jornalista argentina que havia formulado uma pergunta sobre o Mercosul.

Também demorou um pouco para pegar o jeito de como se comportar nos debates com os parlamentares. Ficou famoso o caso em que caiu na armadilha de Zeca Dirceu. Durante a sessão da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara na discussão da reforma da Previdência, o deputado do PT pelo Paraná o atacou dizendo: "É tigrão com os aposentados, agricultores e professores, e 'tchutchuca' com a turma mais privilegiada do país". Paulo Guedes partiu para o revide dizendo que "tchutchuca é a sua mãe e a sua avó".

Depois desse entrevero, o ministro parece que entendeu que seu cargo não era só técnico, mas exigia também um jogo de cintura político para se sair bem nas entrevistas e debates. Bem preparado, experiente, inteligente, não foi difícil para ele acertar o tom do discurso dentro da nova realidade que estava vivendo.

Hoje Paulo Guedes é um dos ministros mais aplaudidos não só pelo conteúdo, como também pelo excelente desempenho na tribuna. Fala com firmeza, mas sem agressividade. Consegue tratar de temas espinhosos com leve ironia, sem ser debochado. Com voz forte, gestos contundentes e olhar expressivo, fala por tempo prolongado sem nunca cansar a plateia. Termina suas apresentações sempre com aquele gostinho de quero mais.

Ernesto Araújo precisa melhorar muito

Outro que tem muita dificuldade para se expressar é o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo. Mesmo sendo experiente e tendo conteúdo, ele não consegue falar com desenvoltura e desembaraço. Por causa do seu problema de dicção, algumas de suas apresentações chegam a ser quase incompreensíveis. Além de pronunciar mal as palavras, Araújo tem um vício grave --durante as pausas, usa os irritantes ããã.

Esse é um caso que pode ser resolvido com treino e técnica. O ministro precisa recorrer a um fonoaudiólogo para corrigir os defeitos de dicção e aprender a fazer pausas silenciosas. Dessa forma, sua comunicação se tornará mais clara, e o silêncio das pausas demonstrará o domínio e controle sobre os temas que aborda.

Tereza Cristina conquista pela simplicidade

Finalmente, mais uma mulher que também encanta por onde se apresenta, a ministra Tereza Cristina (Agricultura). Com seu jeito simples de falar, identificando sua convivência com as pessoas do campo, fazendo uso de gestos delicados, harmoniosos e moderados, é muito eficiente na oratória.

Mesmo nos embates mais duros com deputados da oposição, nunca se mostra desconfortável. Nesses momentos seu discurso é firme, quase ríspido, mas jamais perde o equilíbrio. Defensora ferrenha das causas que abraça, se vale de poderosa argumentação, e os oponentes não conseguem vencê-la no debate das ideias.

Comunga com as ideias do governo Bolsonaro, mas tem independência para defender seus próprios pontos de vista, como, por exemplo, quando pondera sobre a viabilidade das reservas legais para a Amazônia. Sua simpatia e competência superam com folga os possíveis deslizes que poderia apresentar na comunicação. Na verdade, esses pequenos "defeitos" ajudam a dar ainda mais naturalidade a sua maneira de se expressar.

Se pensarmos bem, os ministros de Bolsonaro podem ser comparados com os profissionais que encontramos no dia a dia --alguns se expressam com facilidade e se projetam bem por causa da oratória; enquanto outros, mesmo atuando de forma competente em suas funções, pecam pela falta de qualidade da comunicação. Uma boa reflexão para avaliarmos como estamos nesse quadro e o que precisamos fazer para melhorar.

Superdicas da semana:

  • Não basta apenas fazer, é preciso saber comunicar o que foi feito
  • É preferível, às vezes, ficar quieto a falar sem ter competência oratória
  • Quem fala muito bem, mas não produz, uma hora será descoberto
  • A simplicidade é um recurso tão poderoso que pode suplantar defeitos de comunicação

Livros de minha autoria que ajudam a refletir sobre esse tema: "29 Minutos para Falar Bem em Público", publicado pela Editora Sextante; "As Melhores Decisões não Seguem a Maioria", "Oratória para advogados", "Assim é que se Fala", "Conquistar e Influenciar para se Dar Bem com as Pessoas" e "Como Falar Corretamente e sem Inibições", publicados pela Editora Saraiva; e "Oratória para líderes religiosos", publicado pela Editora Planeta.

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