Bolsonaro só fala para convertidos; como conquistar os outros?
Bolsonaro fala apenas para o seu público, para pessoas convertidas. Se essa estratégia não garante a conquista daqueles que fazem oposição a ele, pelo menos é uma tentativa de segurar quem continua ao seu lado. Em momentos de turbulência política, até essa tarefa chega a se constituir em trabalho penoso. Vamos analisar tudo sob a ótica da comunicação.
E quando se fala em comunicação, devemos nos inspirar no desempenho dos grandes oradores. Vem à minha lembrança, por exemplo, Blota Júnior, o melhor orador que tive a felicidade de conhecer. Foi advogado, deputado estadual e federal. Além desse admirável histórico de vida, foi também um dos mais importantes apresentadores da televisão brasileira de todos os tempos.
Para quem não se lembra, basta citar que foi ele, ao lado da esposa, Sônia Ribeiro, quem apresentou os inesquecíveis festivais da Record dos anos 1960. Participaram como intérpretes nesses festivais nada mais nada menos que Jair Rodrigues, Chico Buarque, Elis Regina, Roberto Carlos, Caetano Veloso e Gilberto Gil, entre outros. Blota dava a esses festivais o toque de elegância e competência.
O meu livro "Como falar corretamente e sem inibições" teve o privilégio de receber o seu prefácio. O mais importante orador do país dando aval a um livro de oratória é a realização de um sonho que um autor nem consegue sonhar. Nesse prefácio ele diz em determinado momento:
"É sem dúvida o orador a expressão mais completa e rutilante do comunicador. A ele compete enfrentar auditórios, sejam pequenos comitês, sejam multidões farfalhantes na imensa praça pública. A ele cabe transmitir a nova, a ideia, a mensagem, a luz. Ali está a plateia, ou fria, ou indiferente, ou inamistosa, ou expectante, ou fanatizada, ou enlouquecida. A partir do instante em que desfecha a palavra inicial, não mais se pertence ou se protege. Cabe-lhe enfrentar a incontrolável maré, e vencê-la".
Portanto, a partir desses conceitos defendidos por Blota Júnior, não se pode considerar bom orador apenas aquele que fala tão somente com quem comunga de suas ideias. É competente no uso da palavra em público especialmente quem consegue convencer ou persuadir pessoas que se posicionam do lado oposto de suas convicções, ainda que sejam "fanatizadas ou enlouquecidas".
Bolsonaro e boa parte dos políticos se aperfeiçoaram na arte de falar para "convertidos". Só para nos situarmos, segundo o dicionário Houaiss, "convertido" é aquele que se converteu a uma religião ou a uma forma de pensamento. Não é difícil deduzir que falar para quem se converteu a uma forma de pensamento é muito mais fácil, pois qualquer orador, por mais incompetente que seja, consegue se comunicar.
E aqui vai mais uma citação de alguém que os mais jovens não conhecem, mas deveriam conhecer: José Vasconcelos. Uma rápida pesquisa na internet mostrará que ele foi um dos maiores humoristas da nossa história. Do alto de sua experiência ele dizia: público bom é aquele que já compra ingresso dando risada. Quero ver fazer rir quem entra no teatro de cara fechada.
Desde a campanha, Bolsonaro tem sido criticado por falar para convertidos. Já em agosto de 2018, Ciro Gomes (PDT) atacava o adversário com essa acusação: "Quem quer ser presidente de um país como o nosso não pode ficar só falando para convertidos. É preciso se submeter à crítica. Senão, não fica muito confiável você falar o maior disparate e não ter ninguém para contestar, pois está dentro de uma cápsula. Não sabe brincar, não desce para o play".
Como eu disse, não só Bolsonaro, mas também muitos políticos estão nesse pacote. Acho que todos nós nos lembramos das palmadas que Mano Brown deu nos petistas durante a campanha presidencial de Haddad, num comício no Rio de Janeiro.
Na presença de Chico Buarque, Caetano Veloso e de outros medalhões, deixou a plateia atônita ao dizer: "Falar bem do PT para a torcida do PT é fácil. Tem uma multidão que não está aqui que precisa ser conquistada. Ou a gente vai cair no precipício?" Ou seja, os votos dos convertidos já estão garantidos, é preciso pescar em outras águas.
Mais recentemente, no início do mês de abril, o diretor do Datafolha, Mauro Paulino, ao falar sobre o desempenho de Bolsonaro nas pesquisas vai nessa mesma linha, afirmando: "Ele tem falado para convertidos nas redes sociais". É possível, assim, deduzir que o objetivo do presidente não parece ser o de conquistar novos adeptos, mas sim o de se empenhar para garantir os que já estão ao seu lado.
Da mesma maneira, quando participamos dos embates na vida corporativa, nosso empenho deve ser sempre o de mudar a opinião daqueles que se posicionam de maneira diversa da que abraçamos. Para isso valem todos os esforços --conversas de pé de escada, de corredores, de porta de elevadores, acertos de bastidores, ajuda de intermediários. Desde que sejam éticos e legais, todos os recursos podem ser utilizados.
A maior lição para quem deseja convencer as pessoas resistentes, apáticas ou indiferentes foi dada por Cristo. Na Parábola do Semeador, uma das mais bonitas do livro sagrado, Ele diz em Lucas 8:4-8:
"O semeador saiu a semear. Enquanto lançava a semente, parte dela caiu à beira do caminho; foi pisada, e as aves do céu a comeram. Parte dela caiu sobre as pedras e, quando germinou, as plantas secaram, porque não havia umidade. Outra parte caiu entre os espinhos, que cresceram com ela e sufocaram as plantas. Outra ainda caiu em boa terra. Cresceu e deu boa colheita, a cem por um".
Algumas pessoas que pensam de forma diversa podem estar mais receptivas ou mais endurecidas. Embora os ensinamentos dessa parábola sejam os mesmos para todas as circunstâncias, caberá a cada um encontrar a melhor maneira de colocá-los em prática. Para exemplificar, vamos analisar como três grandes pregadores interpretam essa passagem bíblica, Rick Warren, Charles H. Spurgeon e Antônio Vieira.
Diz Warren: "Quando você planta a semente, algumas caem no chão rochoso, algumas no solo duro, algumas no chão pedregoso e algumas no bom solo. Não seria ótimo se você soubesse qual é o bom solo e semear suas sementes todas lá?". Ou seja, sua sugestão é a de que se deva pescar em águas que dão peixe, e não perder tempo onde eles não estão.
Já Spurgeon pensava de forma distinta: "É tarefa do lavrador arrancar os espinhos e queimá-los logo. (...) Jamais conseguiremos remover os espinhos com arados que mal arranham a superfície. O melhor trigo nasce no campo que é melhor arado. É mais provável que os convertidos suportem melhor quando os espinhos não conseguem crescer por terem sido retirados".
Ou seja, nas palavras desse pregador Batista, se existirem obstáculos, caberá ao pregador trabalhar para retirá-los, de tal forma que todo o campo seja bom para a semeadura. Os desafios estarão sempre à frente de quem fala em público, dependerá do seu esforço superá-los para que as pessoas mudem sua forma de pensar.
Finalmente Vieira. Observe como o mais completo pregador da nossa história interpreta a mesma parábola: "Os ouvintes, ou são maus ou são bons; se são bons, faz neles fruto a palavra de Deus; se são maus, ainda que não faça fruto, faz efeito". E amplia cada uma das circunstâncias:
"O trigo que caiu na boa terra, nasceu e frutificou; o trigo que caiu na má terra, não frutificou, mas nasceu; porque a palavra de Deus é tão fecunda, que nos bons fazem muito fruto, e é tão eficaz que nos maus, ainda que não faça fruto, faz efeito; lançada nos espinhos, não frutificou, mas nasceu até nos espinhos; lançada nas pedras, não frutificou mas nasceu até nas pedras".
De sorte que Rick Warren ensina que o orador deve procurar apenas pessoas que efetivamente desejem ouvi-lo, para assim ser mais eficiente e produtivo com seus discursos. Já Spurgeon, ao contrário, orienta que todas as pessoas poderão se interessar, desde que sejam removidas as suas resistências. Enquanto que Vieira prega que, mesmo as pessoas sendo resistentes, deve o orador falar, porque a palavra sempre fará algum efeito.
Essa é uma decisão que cabe a cada um de nós tomar na tarefa de conquistar a vontade contrária, seja na vida profissional, nas atividades políticas ou nas relações sociais. Devemos procurar apenas quem tenha interesse em ouvir? Ou devemos remover as resistências do público antes de transmitir a mensagem? Ou devemos ainda pregar a todos mesmo que num primeiro momento resistam, se sintam contrariados ou se mostrem indiferentes?
Todas essas reflexões nos levam a uma única conclusão: só haverá alguma chance de converter as opiniões contrárias se houver atitude para conquistá-las.
Superdicas da semana:
- Fale para manter os aliados, mas tente convencer também os opositores
- Só os bons oradores conseguem converter pessoas fechadas em suas opiniões
- Mesmo que não concordem no momento, a palavra cala, e as pessoas poderão mudar a forma de pensar
- Só a perseverança garantirá pela palavra a vitória de uma causa
Livros de minha autoria que ajudam a refletir sobre esse tema: "29 Minutos para Falar Bem em Público", publicado pela Editora Sextante; "As Melhores Decisões não Seguem a Maioria", "Oratória para advogados", "Assim é que se Fala", "Conquistar e Influenciar para se Dar Bem com as Pessoas" e "Como Falar Corretamente e sem Inibições", publicados pela Editora Saraiva; e "Oratória para líderes religiosos", publicado pela Editora Planeta.
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