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Reinaldo Polito

Bolsonaro rasga o verbo, puxa orelhas de Mandetta e diz que pode demiti-lo

Presidente Jair Bolsonaro ao lado do ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, durante entrevista coletiva sobre coronavírus - ADRIANO MACHADO
Presidente Jair Bolsonaro ao lado do ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, durante entrevista coletiva sobre coronavírus Imagem: ADRIANO MACHADO

03/04/2020 16h11

Você só conhece uma pessoa depois de uma briga. Só então é possível julgar o seu caráter.
Anne Frank

Imagino que, assim como eu, os brasileiros ficaram estarrecidos com as palavras do presidente Bolsonaro na entrevista que concedeu nesta quinta-feira à rádio Jovem Pan. Ouvíamos uns comentários aqui, líamos uma notícia ali, mas nada que pudesse comprovar efetivamente as desavenças entre o primeiro mandatário do país e seu ministro da Saúde.

Mandetta tem sido elogiado, até pela oposição, pelo trabalho que desenvolve à frente do Ministério da Saúde. Firme nas suas posições, incansável na busca de soluções dos problemas, competente nas suas declarações. Enfim, salvo uma ou outra exceção, nós nos sentimos amparados pela forma como está agindo para combater a pandemia.

O confronto de opiniões

Ocorre que mesmo procurando disfarçar, seu posicionamento vai de encontro com as teses defendidas pelo presidente. Bolsonaro prega o isolamento vertical, com certa flexibilização no combate ao coronavírus. Estimula pessoas que sejam saudáveis e que tenham menos de 40 anos a voltarem ao trabalho. Segundo sua maneira de pensar, deveriam ficar em casa aquelas com mais de 60 anos e/ou com doenças pré-existentes.

Mandetta defende o isolamento horizontal, com todo mundo dentro de casa, exceto profissionais da saúde e mais um ou outro caso emergencial. Essa posição do ministro coincide com a linha de muitos governadores que fazem oposição a Bolsonaro. Por isso, mesmo que esse bater de cabeça não tivesse vindo a público, era possível imaginar que ele estivesse ocorrendo.

Um pronunciamento inesperado

Pois bem. Nessa entrevista à Jovem Pan, Bolsonaro não teve meias palavras, abriu o livro e mostrou à população que há, sim, desavenças entre ele e o ministro. Disse que os dois estão se "bicando" há algum tempo, que Mandetta não tem humildade, que em algum momento extrapolou e espera que ele dê conta do recado. Ressaltou que, embora não tenha intenção de demitir o ministro no meio da guerra, ninguém é indemissível.

Essas palavras chocaram a maioria das pessoas, que não imaginavam nunca ouvir esse comentário do presidente. Ora, se Bolsonaro está se relacionando com o ministro de forma tão desconfortável, por que resolveu de uma hora para outra fazer um ataque tão direto? Poderíamos deduzir vários motivos para essa atitude, mas vou relacionar pelo menos dois possíveis para refletirmos. Você poderá apresentar outros nos comentários:

1ª hipótese: Bolsonaro perdeu a paciência

Primeira hipótese: Bolsonaro perdeu a paciência e, de forma irrefletida, resolveu colocar os demônios para fora, lavando em público as roupas sujas que deveriam ser lavadas em casa. Falo isso porque até pessoas do íntimo convívio do presidente me disseram que estavam muito surpresas com a sua atitude.

Bolsonaro não é lá de ficar medindo as frases que vai comunicar. Em vários momentos teve de pedir desculpas pelos seus excessos. Esse tipo de atitude, entretanto, ainda não fazia parte da história de seus rompantes. Parece ter passado do ponto.

2ª hipótese: Bolsonaro quis demonstrar força

Segunda hipótese: Bolsonaro tem enfrentado os governadores e prefeitos opositores o dia todo, todos os dias. A posição de Mandetta pode ser considerada como sendo daquele que vive jogando bola nas costas do chefe. Ora, por mais importante que seja o ministro, se Bolsonaro não demonstrar que tem pulso firme, poderá perder força e credibilidade com a tropa.

E mais, Mandetta, ainda que seja médico, é acima de tudo um político agora, e, lógico, com legitimidade, tem aspirações para o futuro. Por exemplo, talvez, ser o governador do Mato Grosso do Sul. Os holofotes que estão sobre ele no momento ajudam muito a pavimentar esses anseios.

Bolsonaro é um animal político e tem consciência dessa realidade. Por isso, aproveitou para dar demonstração de força, pois, segundo ele tem repetido, "quem manda é o presidente". Teria dado assim um recado para quem um dia se atrever a colocar as manguinhas de fora. Quis mostrar a Mandetta que ele é importante, mas pode perder esse protagonismo, o que atrapalharia as pretensões políticas do ministro.

Se Mandetta sair agora, Bolsonaro sofre um solavanco, mas pode não sucumbir, ao passo que Mandetta, depois de conceder mais duas ou três entrevistas contando o seu lado da história, ficaria ausente da ribalta e teria de encontrar outros caminhos para clarear seu futuro.

Teremos resposta em breve

A aposta é pesada, mas com lances bem planejados. O bom para quem analisa as técnicas de comunicação, observando quais as estratégias de argumentação e refutação de ambos os lados, é que, em pouco tempo, muito pouco mesmo, vamos ter a resposta para saber se prevalece a primeira hipótese, e quais são suas consequências, ou a segunda, com seus efeitos inimagináveis, para nos certificarmos se foi uma boa jogada.

Por enquanto, Mandetta reagiu politicamente dizendo: "Eu só trabalho, lavoro, lavoro". Evitou assim, até o momento, a contenda direta e explícita. Vamos aguardar os próximos rounds e constatar quem tem mais bala na agulha.

Superdicas da semana

  • Às vezes é preciso correr riscos para manter a posição
  • Em momentos de grande tensão, algumas regras podem ser quebradas
  • Nem sempre conseguimos medir as consequências do que falamos
  • Saber o momento certo para reagir é um aprendizado que nunca termina

Livros de minha autoria que ajudam a refletir sobre esse tema: "29 Minutos para Falar Bem em Público", publicado pela Editora Sextante. "Como falar de improviso e outras técnicas de apresentação", "Oratória para advogados", "Assim é que se Fala", "Conquistar e Influenciar para se Dar Bem com as Pessoas" e "Como Falar Corretamente e sem Inibições", publicados pela Editora Saraiva. "Oratória para líderes religiosos", publicado pela Editora Planeta.

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