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Reinaldo Polito

Bolsonaro x Moro: uma briga de arrepiar

25/04/2020 15h05Atualizada em 27/04/2020 10h46

A política passa incessantemente pelo conflito entre realismo e utopia.
Edgard Morin

Moro era o ministro mais popular do governo Bolsonaro. Sua popularidade dava de goleada na do próprio presidente. Em um dos últimos levantamentos feitos pelo Datafolha, entre regular, bom e ótimo, o ex-ministro da Justiça e Segurança Pública atingiu a impressionante marca de 76% na avaliação popular. Bolsonaro ficou bem atrás, com 62% nos mesmos parâmetros.

Essa avaliação positiva o transformava num ministro praticamente intocável. Se Bolsonaro mexesse com ele, poderia haver convulsão popular. Afinal, esse ex-juiz da Lava Jato é considerado por muitos um herói nacional. Embora o presidente diga sempre que não está preocupado com reeleição, todos nós sabemos que essa conversa é da boca para fora. E Moro passou a ser uma sombra para as pretensões do chefe do Executivo.

De uma forma ou de outra, entretanto, os dois se toleravam bem. Quando surgia um zunzunzum, lá iam os dois para um campo de futebol mostrar que o casamento continuava em pé. Nas entrevistas, os elogios mútuos se repetiam com frequência. Em janeiro, houve a maior de todas as tormentas entre os dois. Pouco antes de viajar para a Índia, Bolsonaro deixou no ar a possibilidade de dividir o ministério de Moro em dois. Tiraria dele o Ministério da Segurança Pública. A revolta foi geral, e o presidente teve de recuar das suas intenções.

Em tempo de hibernação

Nessa época de pandemia, Moro deu uma hibernada. Aparecia aqui e ali, mas sem muito protagonismo. Os holofotes estavam voltados mais para o ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta e, sem a mesma importância, para o ministro da Economia, Paulo Guedes.

Com a queda de Mandetta, outro ministro que alcançava avaliações estratosféricas, dava a impressão de que os 22 ministros se resumiam apenas ao Ministério da Saúde. Um engasgo com a Economia de Paulo Guedes, aqui, um lampejo com as exportações de carnes e grãos com Tereza Cristina, ali, uns comentários sobre quilômetros de asfalto com Tarcísio, acolá, mas nada que pudesse, de longe, se ombrear ao Ministério da Saúde.

De repente, para surpresa geral, Mandetta recebe o bilhete azul. Polvorosa. E agora? Nada. Uma semana depois e ninguém mais se lembra da existência do ex-ministro. Entra o substituto, Nelson Teich, que faz uns dois ou três discursos, mas com cara de quem ainda não sabe muito bem onde está. Alguns jornalistas, sem ter muito o que dizer, além das estatísticas de quantos mortos e contaminados tivemos nos últimos dias, afirmam que Mandetta falava melhor que Nelson. Falta do que noticiar.

Tudo morno. Jornalismo de uma notícia só —coronavírus. Quase todos se virando em home office. Uns testes com as novas drogas salvadoras. Alguns "abusados", por determinação dos governadores, sendo presos, e até levando uns petelecos da polícia em praça pública, ou na praia. E vida que segue.

Surge uma bomba

Opa, lá vem o tsunami —Moro está se demitindo. Que dia 24 de abril movimentado! Deu a impressão até que a pandemia havia acabado. Pela manhã, Moro fez pronunciamento explicando por que estava deixando o ministério. E joga petardos sobre o presidente. A acusação mais forte foi a de que Bolsonaro estava tentando interferir nas ações da Polícia Federal. E como não tinha sucesso, pedia a troca do seu diretor-geral, já exonerado.

O ex-ministro tem larga experiência em depoimentos e julgamentos. Por isso, pronunciou cuidadosamente cada palavra do seu discurso. Levou um roteiro para se certificar de que não esqueceria nada importante. Estava sereno e demonstrando que não inventava informações. Seus embates no tribunal do júri como juiz federal, enfrentando bandidos da pior espécie, e nas vezes em que teve de digladiar com os deputados agressivos na Câmara dos Deputados deram a ele a tranquilidade para se expressar bem nessa circunstância de tanta tensão.

A reação

Bolsonaro não podia ficar calado. Precisava dar algum tipo de explicação, especialmente para se defender das acusações de Sérgio Moro. Sem contar que até os mais fanáticos dos bolsonaristas ficaram decepcionados com a saída do ministro. Foi marcado um pronunciamento para as 17h. Em solidariedade, estavam presentes quase todos os ministros do governo. O país parou para ouvir o que ele tinha a dizer.

Como Bolsonaro precisaria dizer que Moro havia mentido, o discurso deveria ser bem arquitetado. Por isso, o presidente fez longas digressões falando da sua correção ao longo da vida pública, na qual, depois de ter sido vasculhada de cabeça para baixo, nunca encontraram nenhum tipo de deslize.

Falou também no zelo que tem com o dinheiro público, como, por exemplo, ao não gastar a verba a que tem direito com os cartões corporativos e desligar o aquecimento da piscina. Queria assim mostrar que tem lisura de conduta e que com esse perfil "não mente".

Mais à frente discorreu sobre alguns pedidos que havia feito ao ministro, como por exemplo, investigar a morte de Marielle e a tentativa de assassinato que sofreu, para descobrir os mandantes desses crimes. E outro fato, aparentemente até sem nenhuma importância, a solicitação para que interrogassem o sargento, pai da moça que diziam ter sido namorada do seu filho zero quatro. Tudo isso para demonstrar que não interferiu na Polícia Federal.

A estratégia

Bolsonaro tentou dessa forma ficar blindado diante das acusações de Moro, e poder afirmar que o ex-ministro mentiu em seu pronunciamento. Foi a estratégia que encontrou para estabelecer sua defesa e desqualificar as palavras do ministro exonerado. Com esse discurso, preparou uma trincheira para rebater os ataques que, sabia, viriam mais adiante.

O presidente falou de improviso. E falou muito bem. Essa decisão foi fundamental para demonstrar que estava sendo sincero. Se tivesse lido o texto no papel, ou se valido do teleprompter, daria a impressão de que estava seguindo algum tipo de orientação jurídica, e não lançando mão da sua própria mensagem.

Moro prometeu mostrar provas do que falou. Já apareceram algumas cópias de mensagens trocadas entre os dois e outras em que o ex-ministro conversa com sua afilhada, e ligada a Bolsonaro, a deputada Carla Zambelli. Todos esses documentos serão agora esmiuçados para se constatar se valem ou não para acusar Bolsonaro ou demonstrar se as palavras do ex-ministro foram ou não verdadeiras.

A política brasileira não é mesmo para amadores. A saída de um ministro conseguiu ofuscar as notícias sobre o coronavírus no momento em que parece ser o pico da pandemia.

Superdicas da semana

  • A fala de improviso, quase sempre, dá mais credibilidade
  • Antes de atacar é preciso preparar muito bem a retaguarda
  • Em situações graves, é preciso enfrentar com determinação o inimigo
  • O seu melhor aliado hoje poderá ser o seu maior inimigo amanhã

Livros de minha autoria que ajudam a refletir sobre esse tema: "29 Minutos para Falar Bem em Público", publicado pela Editora Sextante. "Como falar de improviso e outras técnicas de apresentação", "Oratória para advogados", "Assim é que se Fala", "Conquistar e Influenciar para se Dar Bem com as Pessoas" e "Como Falar Corretamente e sem Inibições", publicados pela Editora Saraiva. "Oratória para líderes religiosos", publicado pela Editora Planeta.

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