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Motorista de app, é hora de cair na real: ruim com sindicato, pior sem

Bater em sindicato virou esporte nacional desde o ato micado do último 1º de maio, organizado pelas centrais no estádio do Corinthians.

Sim, é verdade que o movimento atravessa uma crise sem precedentes — não só de financiamento, desde a extinção do imposto sindical pela Reforma Trabalhista de 2017, mas principalmente de legitimidade. Também é evidente que alguns dirigentes precisam largar o osso e outros devem atualizar o discurso para não perderem o bonde da história.

Obviedades à parte, a pergunta que fica é curta e grossa: existe alternativa melhor aos sindicatos para negociar aumento de remuneração e benefícios?

O caso dos motoristas de aplicativo, categoria completamente enfraquecida em seu poder de barganha com plataformas bilionárias, é emblemático do quão prejudicial a falta de uma liderança forte e organizada pode ser.

Já faz uma década que o mercado de transporte de passageiros é dominado por Uber e companhia limitadíssima — no caso, a 99. Nestes dez anos, uma variada fauna de youtubers e diversas associações país afora despontaram de um conjunto bastante heterogêneo de ao menos 700 mil motoristas. Mas que direitos foram efetivamente conquistados?

Até hoje, esses trabalhadores não sabem nem quanto a líder absoluta de mercado desconta de comissão ao final de cada corrida. Pior: se um condutor sofre um acidente e passa um tempo sem trabalhar, não conta com qualquer tipo de proteção das empresas ou do Estado.

Alguns presidentes de associação embarcaram na onda do MEI (Microempreendedor Individual). Vamos insistir em um modelo insustentável em que as empresas não contribuem com um centavo sequer para o INSS (Instituto Nacional do Seguro Social)? Vamos fazer o Estado pagar a fatura da Previdência, já que o regime de MEI pode custar R$ 600 bilhões bilhões aos cofres públicos até 2060?

Para finalizar este assunto, é preciso esclarecer: só 16% dos motoristas da Uber estão formalizados como MEIs, apesar de oito em cada dez saberem da existência dessa possibilidade. Os dados são de uma pesquisa encomendada pela própria plataforma ao Datafolha, e divulgada dois anos atrás. Ou seja, na vida real, o MEI não funciona. É urgente, sim, fazer empresas e trabalhadores contribuírem, em nome da saúde do sistema — e até os aplicativos concordam com isso.

Mas voltemos aos sindicatos. Também é verdade que boa parte dos motoristas não quer nem ouvir falar do assunto, e que muitos torceram o nariz para a regulamentação proposta pelo governo, que tenta fortalecer as entidades nas negociações com as empresas.

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Em primeiro lugar, é preciso demolir alguns mitos: mesmo que o governo quisesse, não seria possível obrigar ninguém a se filiar ou a pagar sindicato. O próprio STF (Supremo Tribunal Federal) já afastou essa possibilidade.

Segundo, sindicato não é apenas lugar de gente encostada que só sabe sugar o dinheiro suado do trabalhador. Sem dúvida, tem muito sindicalista picareta por aí — assim como também há muito motorista malandro na praça e jornalista desonesto nas redações. Mas também existem muitos sindicatos atuantes, capazes de bater de frente com empresas poderosas.

Dito isso, imagine, motorista, uma articulação de sindicatos país afora com uma impressionante base de centenas de milhares de condutores de apps. Sindicatos capazes não só de negociar o valor da corrida que você julga justo (seja por tempo de trabalho, seja por quilômetro rodado), mas de exigir que as plataformas garantam outros benefícios, de plano de saúde a colônia de férias.

Dá até para sonhar mais alto. Os sindicatos dos bancários — profissionais que já trabalham seis horas por dia — têm a redução da jornada semanal de cinco para quatro dias, sem corte nos salários, como uma de suas principais pautas.

Se você, como eu, faz parte de grupos de motoristas no WhatsApp, já deve estar cansado de ouvir as lamentações de que "a categoria é desunida" e, por essa razão, "não consegue dar um basta aos abusos das plataformas".

O fato é que não há para onde correr: enquanto não houver sindicatos para forçar as empresas a negociarem para valer, qualquer discussão está fadada ao fracasso — ou a uma conquista com prazo de validade, na possibilidade de o Congresso aprovar um bom projeto de lei.

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A explosão do trabalho por aplicativos é uma oportunidade de ouro para o sindicalismo fazer uma autocrítica e se reinventar, abrindo espaço para novas lideranças e absorvendo os anseios de uma massa precarizada com a qual não está acostumada a dialogar. Mas, convenhamos, motoristas também precisam abrir o olho e parar de cair no conto de que sindicato não serve para nada.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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