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Mariana Londres

REPORTAGEM

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O que pensam e defendem os 'pais do Real', que estão na equipe de transição

Pérsio Arida foi presidente do Banco Central e um dos idealizadores do Plano Real   - Regis Filho 3.set.2012/Valor
Pérsio Arida foi presidente do Banco Central e um dos idealizadores do Plano Real Imagem: Regis Filho 3.set.2012/Valor

14/11/2022 04h00Atualizada em 14/11/2022 06h28

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Os economistas André Lara Resende e Pérsio Arida foram oficializados como integrantes da equipe de transição do governo Lula para formular, ao lado de Nelson Barbosa e Guilherme Mello, as primeiras medidas econômicas de 2023.

Apesar de serem mais conhecidos como "pais do Plano Real", a partir do plano "Larida", o trabalho dos dois não parou em meados da década de 90. Do projeto que estagnou a hiperinflação para cá, ambos amadureceram suas visões econômicas e seus trabalhos e declarações mais recentes apontam em que direção a política econômica de Lula pode ir.

Em meio a muitas especulações, eles não confirmam se estariam elaborando um plano econômico que permita investimento em infraestrutura e social, como pretende Lula, com a criação de uma nova âncora fiscal em substituição ao teto de gastos. Ambos defendem investimentos sociais e a necessidade de qualquer proposta para o país ser acompanhada de reformas para melhorar a eficiência dos gastos públicos. Apesar de terem trabalhado de forma convergente na década de 90, suas visões sobre a política de juros e especialmente sobre a política fiscal se afastaram ao longo dos anos.

André Lara Resende escreveu sete livros desde 1995, sendo que no último, "Camisa de Força Ideológica", de 2022, ele questiona a teoria macroeconômica dominante, neoclássica. Na política econômica brasileira, o economista é crítico da atual política de juros para conter a inflação e da lei do teto de gastos. Defende um maior endividamento quando se mostra necessário (como agora), desde que o recurso seja bem gasto, com controle e revisões de despesas, ponto considerado central. Sem querer reduzir, mas com o objetivo de simplificar, veja alguns pontos defendidos pelo economista:

  • É crítico da teoria dominante que prevê aperto fiscal a qualquer custo e a redução do tamanho do Estado. Para ele, a macroeconomia neoclássica se tornou uma "camisa de força'', título do seu mais recente livro, que impossibilita a formulação de políticas para promover a retomada de investimento e a distribuição de renda.
  • Considera uma incongruência dizer que o Estado está quebrado e não pode gastar com infraestrutura, Saúde e Educação (em função do teto de gastos) mas pode e deve aumentar a taxa de juros, como aumentou no Brasil em mais de 10 pontos percentuais desde 2021. Para ele, com essa fórmula, há transferência de gastos fiscais para os detentores da dívida pública, que são os agentes mais ricos da economia, sendo que os pobres têm os serviços comprometidos pela falta de recursos.
  • Partindo do fato da moeda ser hoje um registro digital, acredita em outras possibilidades de financiamento do Estado. Para o economista, países que emitem a própria moeda não têm, sob algumas condições, restrições financeiras. Podem ampliar a base monetária sem criar surtos inflacionários, mas para isso precisam ter controle e disciplina para tornar o Estado mais eficiente.
  • Discorda da política de juros implementada no país desde 1994. A Selic alta, para o economista, não contribuiu para segurar a inflação e ainda teve impacto na dívida pública e no baixo crescimento.
  • Contesta que a dívida pública é um ônus a ser pago por gerações futuras. Para ele, sendo a dívida pública interna, os detentores são os agentes superavitários. O que importa é que esse dinheiro seja bem gasto, beneficiando bem-estar e produtividade de todos: serviços públicos, investimentos em infraestrutura, saúde, educação e segurança. Depois do efeito distributivo da dívida, haverá ônus fiscal apenas se a taxa de juros da dívida pública for superior à taxa de crescimento da economia. A relação dívida/PIB não pode subir indefinidamente, tem que ser controlada.
  • O Estado pode ser empregador de última instância dos trabalhadores, da mesma forma que é credor de última instância durante crises (algo como uma porta de saída dos programas sociais, um Bolsa Família associado a capacitação e treinamento).
  • Questões econômicas não podem ser analisadas fora dos contextos político e social. A exigência de que se equilibre o orçamento fiscal é uma restrição autoimposta que se justifica para evitar a tentação de gastos irresponsáveis, demagógicos e até mesmo corruptos, mas acaba sendo uma camisa de força que impede gastos plenamente justificáveis. Mas é importante definir quais gastos são justificáveis e como evitar os injustificáveis.


Pérsio Arida é um dos nomes preferidos pela Faria Lima dentro da equipe de transição e dos cotados para a equipe econômica de Lula. O principal motivo para isso é o fato do economista misturar perfil acadêmico (de formulador de políticas públicas, como o Plano Real), com a sua experiência em cargos do governo (ele sabe como funciona a máquina), e na iniciativa privada (entende a cabeça do empresário).

Na carreira acadêmica, Arida teve formação no Brasil e no exterior. Em Princeton, trabalhou com o economista Albert Hirschman, que disse para ele durante uma conversa: "É fácil perceber um modelo que está se esgotando. O bom analista observa os modelos que estão surgindo". Ao lado de Resende, faz parte da escola da PUC-RJ, que ocupou postos chave de comando durante o governo FHC (Armínio Fraga, Pedro Malan, Edmar Bacha). Veja abaixo, algumas de suas visões:

  • Aponta o baixo crescimento como o problema crônico da economia brasileira, em função do baixo dinamismo e pelo fato de ser uma economia fechada. O crescimento é insuficiente para aumentar a renda per capita e o Brasil perdeu a oportunidade de atrair capital pela falta de uma agenda ambiental nos últimos quatro anos.
  • poucos avanços na gestão de Paulo Guedes: apenas uma privatização do sistema elétrico, nenhum avanço na reforma administrativa, para tornar o Estado mais eficiente, na abertura comercial, na reforma tributária. Os únicos avanços foram os que já estavam em curso antes de Bolsonaro assumir: reforma da Previdência e independência do Banco Central.
  • Defende a reforma tributária com simplificação de impostos, com a unificação dos impostos sobre o consumo (IVA reunindo PIS/Cofins, ICMS e ISS), para aumentar a produtividade. A proposta é semelhante aos textos de reforma tributária atualmente em discussão no Congresso, nas PECs 45 e 110. Pondera que são necessárias exceções, como da Zona Franca de Manaus.
  • Cita a abertura da economia para o mercado internacional como um fator importante para aumentar a produtividade brasileira.
  • Concorda com a antecipação da alta de juros para conter a inflação mundial feita pelo Banco Central do Brasil de 2021 até agora. Para o economista, sem essa alta o país estaria em situação pior. Daqui para frente, a manutenção da taxa no Brasil irá depender da nossa responsabilidade fiscal e da trajetória dos juros americanos, disse em evento recentemente.
  • Não vê reversão na independência do Banco Central, o que considera um grande avanço, e elogia a atual gestão no aumento da competitividade do setor financeiro, estimulando o Open Banking e com a criação do PIX.
  • É favorável ao programa de transferência de renda de R$ 600. Entende que é permanente, e não provisório, como sugere a discussão sobre a "licença para gastar", mas pondera que é preciso melhorar a eficiência dos auxílios.
  • Defende investimentos sociais para eliminar a pobreza absoluta no Brasil e investimentos em Educação para reduzir a desigualdade.
  • Acredita que o uso de energia limpa pode atrair investimentos ao Brasil em um curto espaço de tempo.
  • Sobre comércio exterior, é favorável ao acordo Mercosul/União Europeia, negociado há décadas mas ainda não assinado. Mas entende que após assinatura Brasil deve entrar na OCDE e renegociar os termos.
  • Defende fases pré-anunciadas de um plano econômico como foi feito no Plano Real.