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Nasceu na favela, virou produtor, fez clipe famoso e foi premiado em Cannes

Paulo Gratão

Colaboração para o UOL, em São Paulo

27/07/2018 04h00

Leno Maycon Viana Gomes, 26, e Jorge Brivilati, 30, nasceram e foram criados em favelas do Rio de Janeiro. O primeiro cresceu no Morro do Borel, na capital, e o segundo, na Vila Ipiranga, em Niterói. Os dois seguiram caminhos bem diferentes do que seus amigos de infância. Gomes hoje é conhecido como Nego do Borel, já fez parceria com famosos como Anitta e Maiara & Maraísa e teve sua música entre as mais tocadas nos EUA. Brivilati fundou a agência de publicidade La Casa de La Madre, em São Paulo, em 2012.

A empresa faturou R$ 6 milhões no ano passado. O lucro não foi revelado nem o investimento inicial.

Os dois caminhos se cruzaram recentemente com a produção do videoclipe da música "Contatinho", de Nego do Borel, com a participação do cantor Luan Santana. O vídeo foi publicado no YouTube em janeiro e, até o momento, contabiliza 36 milhões de visualizações. Com ares cinematográficos, o trabalho é a primeira incursão da agência La Casa de La Madre no ramo musical.

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As primeiras imagens de Brivilati

Enquanto Gomes falava suas primeiras palavras no Morro do Borel, Brivilati esperava ansiosamente pelo dia de seu aniversário. Sua maior alegria, contou, era poder usar a máquina fotográfica analógica da família, à qual ele só tinha acesso nesse dia.

Em vez de fotografar os presentes ou a própria festa, Brivilati disse que saía correndo para a rua e tirava fotos das pessoas, o que a mãe julgava ser um desperdício. Segundo ele, esse foi seu primeiro contato com o mundo audiovisual.

Começou com curso grátis de Photoshop

Anos mais tarde, durante o ensino médio, Brivilati aprendeu linguagem de programação HTML e começou a estudar por conta própria. Ele disse que recebeu uma ligação oferecendo um curso grátis de Photoshop. Do outro lado da linha, o atendente jurava que alguém havia indicado o telefone dele em uma pesquisa. Ele nunca soube se isso era verdade ou não, mas agradeceu o acaso.

"Fiz 15 dias de curso, me apaixonei e foi um descobrimento maravilhoso de coisas que eu queria fazer."

Passado o período experimental, ele precisaria investir um valor para fazer o curso completo. Ao perceber que o filho realmente gostava da coisa, a mãe contou as moedas para satisfazê-lo.

Dez meses depois de começar o curso, Brivilati fez uma proposta para o diretor da escola, sobre uma metodologia diferenciada, que agregava diversos cursos, e montou sua própria turma.

Enquanto morou na favela, Brivilati disse que viu vários de seus amigos deslizarem para o caminho do tráfico de drogas. Ele, no entanto, afirmou que se manteve imune. "Minha mãe sempre repetia um guia de sobrevivência: 'Lá você não ouve, não vê e não sabe nada'", disse.

Primeiro salário foi de R$ 100

Com o passar dos anos, Brivilati fez curso de cinema e conseguiu emprego em empresas de varejo. Seu primeiro salário foi de R$ 100, passando em pouco tempo para R$ 1.800. Com o passar dos anos, conseguiu empregos em grandes agências de publicidade, como AlmapBBDO.

Após juntar um dinheiro, estava com tudo pronto para passar uma temporada na Irlanda, mas recebeu um convite para ir para a agência Young & Rubican (Y&R) e adiou os planos. Foi nesse emprego que ele sentiu a maior vontade de abrir sua própria agência.

Os resultados finais das produções nunca eram o que eles esperavam. "Algo mudou dentro de mim quando criamos uma webserie, e o diretor da agência disse que não conseguiria fazer com a verba que tinha. Nisso, tive um estalo de que eu não queria mais ser diretor de arte, queria trabalhar com cinema."

Negócio próprio

Ele e o amigo André Castillo, que também estava insatisfeito, pesquisaram como aliar cinema, que Brivilati vinha estudando, e publicidade, que ele sabia fazer. Enxergaram a oportunidade de aplicar técnicas narrativas à publicidade, algo que ainda não havia muito espaço no Brasil, segundo ele.

Abriram a La Casa de La Madre em 2012. "O nosso objetivo era trazer uma cara mais cinematográfica para tudo que fizéssemos", afirmou.

Atualmente, a agência acumula prêmios como Lions Health, Cannes Lions, Clio Awards, FIAP, entre outros. Ele também foi finalista do LA Shorts Film Festival, em Hollywood (EUA).

Novo nicho: videoclipes 

Além de campanhas publicitárias para televisão e internet, a agência encontrou outro nicho que precisava de uma mãozinha dos contadores de histórias: o mercado musical.

"Hoje, com o YouTube, não se lança mais nenhuma música sem videoclipe. Há mais liberdade para ideias, há mais proximidade com o cinema. Em publicidade há mais restrições", afirmou.

Após a estreia com o clipe de Nego do Borel, Brivilati disse que já trabalha com outros artistas --entre eles, a banda Capital Inicial.

Desafio é equilibrar qualidade e orçamento, diz consultor

Embora a educação empreendedora voltada ao audiovisual esteja cada vez mais presente em comunidades carentes, segundo o consultor do Sebrae-SP José Carlos Aronchi, são raros os jovens que têm o mesmo pensamento de Brivilati.

"Quando vão para uma capacitação dessas, o objetivo é trabalhar com carteira assinada. O próprio Sebrae tem alguns programas do gênero, e sempre tentamos mostrar que isso pode virar uma opção de carreira", disse.

A empresa conseguiu se adaptar às novas linguagens disponíveis no mercado, o que é mais difícil para agências tradicionais, segundo Aronchi.

Para ele, a profissionalização do mercado de videoclipes é recente, e o maior desafio é produzir com qualidade, mas sem custos exorbitantes. "Foi banalizando, com muitas empresas que produziram com baixo custo, sem investimento. Com as redes sociais era preciso ter um clipe a qualquer custo. Agora está havendo uma retomada de qualidade, mas ainda esbarram na questão do orçamento", afirmou. 

Onde encontrar:

La Casa de La Madre - https://www.lacasadelamadre.com.br/