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Governo pode atender caminhoneiro em greve e cortar imposto do combustível?

Mariana Bomfim

Do UOL, em São Paulo

21/05/2018 17h03

O aumento no preço do diesel levou caminhoneiros autônomos a cruzar os braços e bloquear rodovias pelo país nesta segunda-feira (21). Eles querem que o governo federal corte impostos sobre os combustíveis. 

Apesar de o presidente Michel Temer ter marcado uma reunião com ministros, e de os presidentes da Câmara e do Senado terem anunciado a criação de uma comissão para discutir o assunto, há pouca chance de o governo atender as reivindicações dos caminhoneiros e cortar impostos, de acordo com especialistas ouvidos pelo UOL.

A reivindicação dos caminhoneiros sem dúvida tem fundamento, mas vai ser muito difícil eles obterem sucesso."
Agostinho Pascalicchio, professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie

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Medida seria eleitoreira, diz economista

Caso o presidente Temer proponha alguma solução que envolva corte de impostos, mas sem mexer nos gastos públicos, o economista Renato Sorroce, professor do Ibmec, diz que ela será "eleitoreira". "Caminhão parado em um país como o Brasil, cuja única maneira de escoar a produção é pela via terrestre, é um grande problema. Então, é até possível que o governo anuncie alguma coisa", diz. 

Mas o que fizerem agora é medida eleitoreira, pensando na votação de outubro. A partir de novembro volta tudo ao que é hoje.
Renato Sorroce, professor do Ibmec

Petróleo, dólar e reajustes da Petrobras

Os preços dos combustíveis sofreram uma disparada neste ano devido ao aumento na cotação do petróleo no mercado internacional e à alta do dólar. Com a política de preços adotada pela Petrobras em julho do ano passado, os reajustes passaram a ser feitos com mais frequência --até diariamente-- para acompanhar as variações no exterior.

A greve de hoje não impediu que a Petrobras anunciasse mais um aumento nos combustíveis, o que foi considerado pelos caminhoneiros um "desaforo". O diesel vai subir 0,97% nas refinarias amanhã e, desde julho, acumula valorização de quase 60%. A inflação oficial no Brasil acumulada entre julho de 2017 e abril de 2018 (último dado disponível) é de 2,68%.

Zerar imposto pioraria contas públicas, dizem analistas

Os caminhoneiros pedem que, para aliviar a alta provocada pelo petróleo, o governo elimine a cobrança de dois tributos: PIS/Cofins e Cide (Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico). Os impostos representam quase a metade do valor do diesel nas refinarias.

O aumento nos preços já levou o governo a zerar a cobrança da Cide sobre combustíveis no passado, entre junho de 2011 e janeiro de 2015, mas Pascalicchio afirma que é improvável isso acontecer agora.

Zerar um imposto em um momento em que o governo tem dificuldade para equilibrar as contas e conter os gastos é extremamente arriscado e inadequado.
Agostinho Pascalicchio, professor do Mackenzie

Para Sorroce, "o Brasil já tem um déficit fiscal muito grande e não pode reduzir suas receitas abrindo mão desses impostos". Segundo ele, o governo deveria diminuir os gastos públicos, como as despesas para manter a estrutura da Câmara dos Deputados e da cúpula do Judiciário.

Se o governo parar de jogar dinheiro fora com uma série de benesses, vai sobrar espaço para dar abatimento ou isenção de impostos.
Renato Sorroce, professor do Ibmec

Declarações do ministro da Fazenda, Eduardo Guardia, mais cedo, sinalizam que a equipe econômica tem uma visão semelhante. "Todos nós sabemos que não temos flexibilidade do lado fiscal. Não podemos nos dar o luxo de ter redução nas receitas tributárias neste momento", disse.

Corte apenas para diesel geraria distorções

E se o governo reduzisse impostos apenas sobre o diesel, para resolver a crise com os caminhoneiros?

Além de desagradar os motoristas de carros comuns, movidos a gasolina, a medida causaria sérios danos em toda a cadeia de combustíveis do país, de acordo com Pascalicchio.

Ele diz que existe uma relação estável entre os preços do diesel e dos outros combustíveis, como a gasolina. Em geral, o diesel é mais caro que a gasolina seguindo uma proporção fixa.

Se o governo reduzisse o imposto apenas sobre o diesel, essa proporção mudaria. Como resultado, por exemplo, o consumo de diesel poderia aumentar, e o de gasolina, diminuir. Para conseguir comercializar a produção de gasolina que sobraria, o país teria que buscar o mercado externo para tentar exportá-la.

Causaria distorções e desequilíbrio estrutural em todos os preços do país, o que geraria muita instabilidade justamente em um momento em que estamos com os preços controlados.
Agostinho Pascalicchio, professor do Mackenzie

Petrobras pode voltar a represar preços?

Há, ainda, a opção de a Petrobras voltar atrás e abandonar a política de ajustes frequentes nos preços, o que, na prática, significaria represá-los e assumir perdas. Sorroce afirma que a medida seria negativa porque resultaria em mais prejuízos para a estatal, que começa a se recuperar após amargar quatro anos seguidos de perdas.

"A Petrobras passou anos tendo prejuízo porque, devido a interesses políticos, vendia combustível a um preço menor do que deveria vender", diz Sorroce.

É claro que, do ponto de vista do consumidor, parece uma boa ideia a Petrobras não repassar o aumento nos preços, mas em termos de administração da estatal, represar preços seria um tiro no pé da Petrobras.
Renato Sorroce, professor do Ibmec

O governo e a direção da petroleira têm dito que pretendem manter a política de reajustes frequentes nos preços.