Cuidado com o que fala: você está sendo gravado
Não te abras com teu amigo
Que ele um outro amigo tem.
E o amigo do teu amigo
Possui amigos também
(Mario Quintana)
As informações divulgadas pelo site The Intercept Brasil nos colocam diante de uma lâmpada amarela para o risco que corremos com as nossas conversas do dia a dia. Às vezes nós nos sentimos tão seguros e protegidos em determinados ambientes que nem nos darmos conta de que estamos mais vulneráveis do que poderíamos supor.
Atenção: gravando. Esse alerta, dado normalmente pelo produtor para avisar que determinada cena começará a ser gravada, sai agora dos estúdios e atinge a todos nós, pois não importa onde estejamos, temos de ter consciência de que nossas conversas podem estar sendo gravadas. O que parecia ser apenas fantasia dos filmes de James Bond sai das telas para a realidade.
A tecnologia nos deixa mais expostos
Microfones supersensíveis podem ser instalados em pontas de canetas, hastes de óculos, pulseiras de relógios e tantos outros lugares que a criatividade possa idealizar. Sem contar os microfones com zoom, que conseguem captar com perfeição sons a dezenas de metros de distância. Considerando ainda que até aparelhos rudimentares também podem fazer estragos.
Lembremo-nos do que aconteceu com o ex-presidente Michel Temer. Com toda a sua experiência de secretário da Segurança Pública, presidente da Câmara dos Deputados por vários mandatos, vice-presidente e presidente da República caiu na armadilha montada por Joesley Batista.
O dono da JBS, em encontro não agendado durante a noite, munido de um simples gravadorzinho se aproximou do então presidente e gravou toda a conversa que mantiveram em sala reservada no Palácio do Jaburu. Falando assim em época relativamente distante, não parece possível que esse fato tenha mesmo ocorrido.
A vida de Temer virou um inferno após a divulgação daquelas gravações. Assim como havia conseguido a aprovação da reforma trabalhista, outras já estavam na ponta da agulha para serem encaminhadas. Após a imprensa divulgar o que fora gravado, tudo ficou parado no seu governo, e Temer teve de dedicar seu tempo quase que exclusivamente para se defender.
A grande ironia é que os que estavam encaminhando para a Justiça as gravações com as falas de Temer se atrapalharam com o gravador e, sem que percebessem, gravaram as próprias conversas. Com esse tiro saindo pela culatra, os delatores ficaram encrencados.
Isso para mostrar que, se gente sem a mínima competência tecnológica consegue gravar um presidente da República, dá para imaginar o que pode acontecer quando um especialista, munido dos mais modernos aparelhos, resolve se aproximar de um de nós, simples mortais.
A gravação de conversas alterou a história do país
Assim como esse episódio do ex-presidente Michel Temer teve influência na história do nosso país, outros, mais ou menos importantes, também contribuíram para alterar os nossos rumos. Foram tantas as conversas gravadas que até perdemos a conta.
Para lembrar assim de passagem, temos as gravações feitas por Sérgio Machado, da Transpetro, com Romero Jucá, José Sarney e Renan Calheiros; e aquela em que Bernardo, filho de Nestor Cerveró, gravou com seu celular os diálogos pouco republicanos com o senador Delcídio Amaral. E essas agora divulgadas pelo Intercept que não sabemos onde vão parar.
Eu me lembro de quando tratei desse tema em outra oportunidade, alguns leitores se indignaram dizendo que quem não deve não teme. Basta não fazer nada errado na vida que ninguém precisa se preocupar com gravações clandestinas. Eu não estou aqui, entretanto, apenas me referindo a falcatruas e desonestidades.
Até quem não se comporta mal precisa se resguardar
Na nossa vida, independentemente da atividade que exerçamos, há segredos profissionais e pessoais que não podem ser revelados. Se assim não fosse, não existira a crescente onda de espionagem corporativa. Algumas empresas investem fortunas em projetos que precisam ser guardados a sete chaves. Se um concorrente descobre esses planos, pode se antecipar e prejudicar quem dedicou tempo e dinheiro no empreendimento.
Há situações em que as conversas nem precisam ser gravadas, basta que possam ser ouvidas para que o prejuízo aconteça. Corre risco quem fala de assuntos sigilosos em elevadores, táxis, aeroportos, salas de reuniões, salas de eventos, etc. O tempo todo devemos nos perguntar: será que alguém poderia estar ouvindo essa conversa que não deveria ser ouvida?
Convém lembrar também que algumas pessoas gostam de fofoca. Talvez até nem possam fazer nada com a informação que ouviram, mas não resistem à tentação de passar a novidade para frente, sem avaliar se o que estão confidenciando poderá prejudicar ou não alguém.
O ideal seria que as mensagens tivessem apenas objetivos elevados. Como disse Afonso Arinos de Melo Franco em sua palestra em Belo Horizonte: Palavras o vento leva, mas leva o pólen, semeando e fecundando ideias.
A experiência, todavia, nos mostra de maneira bastante clara que a humanidade não é assim tão bondosa. Ainda que a mensagem tenha finalidades positivas, não nos esqueçamos de que há também o risco da manipulação. Dependendo de quem a retransmite, se for mal-intencionado, poderá distorcer seu verdadeiro sentido.
Por isso, se tiver algum assunto que não possa ser revelado, nunca fale sobre ele em locais onde possa ser ouvido. Pois, como vimos, às vezes não estamos a salvo até em ambientes que parecem ser bem protegidos, pois os espiões estão em toda parte. Nunca este pensamento popular foi tão atual: as paredes têm ouvidos. E alguns ouvidos são enviesados.
Superdicas da semana:
- Não fale em locais públicos sobre assuntos sigilosos
- Não envie mensagens que deveriam ser protegidas
- Não fale pelo telefone sobre assuntos confidenciais
- Se um assunto não poderia ser ouvido, não fale sobre ele
Livros de minha autoria que ajudam a refletir sobre esse tema: "29 Minutos para Falar Bem em Público", publicado pela Editora Sextante; "As Melhores Decisões não Seguem a Maioria", "Oratória para advogados", "Assim é que se Fala", "Conquistar e Influenciar para se Dar Bem com as Pessoas" e "Como Falar Corretamente e sem Inibições", publicados pela Editora Saraiva; e "Oratória para líderes religiosos", publicado pela Editora Planeta.
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