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Bloqueios seguem mesmo após acordo; perguntas sobre a greve que não acaba

Mariana Bomfim

Do UOL, em São Paulo

28/05/2018 19h30Atualizada em 29/05/2018 10h09

Apesar de o governo ter anunciado na noite de domingo (27) que vai atender praticamente todos os pedidos dos caminhoneiros, a greve continua, com bloqueios em diversas estradas do país.

Veja, a seguir, perguntas para entender a paralisação que levou o Brasil a uma grave crise de abastecimento e não acaba. 

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O governo demorou para agir?

Tudo indica que o governo recebeu avisos sobre a greve, mas subestimou a gravidade da situação e demorou a agir. A CNTA apresentou em 16 de maio um ofício ao governo federal pedindo o congelamento do preço do diesel e a abertura de negociações. Dois dias depois, lançou um comunicado alertando para a possibilidade de greve. Nas duas ocasiões, foi ignorada.

A avaliação do Planalto é que os serviços de inteligência não previram o potencial do movimento para gerar uma crise. Ao longo da semana passada, o presidente Michel Temer continuou cumprindo sua agenda de compromissos normalmente, enquanto diversas cidades já enfrentavam falta de gasolina nos postos, redução da frota de transporte público e boxes vazios nos centros de abastecimento de alimentos.

O governo só foi se reunir para avaliar a situação na noite de segunda-feira, quando a greve já estava a todo vapor na maioria dos estados. A primeira proposta para encerrar a paralisação só foi sair um dia depois, na terça à noite, mas coube ao Legislativo o papel central. O presidente da Câmara anunciou que a cobrança de um dos impostos do diesel, a Cide (Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico), seria zerada. Mas os caminhoneiros consideraram a proposta insuficiente e continuaram nas estradas.

No terceiro dia de greve, foi feita uma nova tentativa de acerto com os caminhoneiros. Mas, mais uma vez, o protagonismo não veio do governo. Coube ao presidente de Petrobras, Pedro Parente, anunciar uma redução de 10% do preço do diesel nas refinarias por 15 dias. De toda forma, a medida não foi o bastante para encerrar a greve.

O governo só foi participar de forma mais consistente das negociações na quinta-feira, quarto dia de greve, quando ofereceu um acordo que incluía, além da redução do diesel, diversas outras medidas. Mas nem mesmo esse amplo acordo garantiu o fim da paralisação, que se estendeu por todo o final de semana.

No domingo, após quase uma semana de paralisação, o governo anunciou uma nova proposta. Desta vez, atendeu praticamente todas as exigências dos caminhoneiros e oficializou rapidamente o compromisso no Diário Oficial da União. Mesmo assim, ainda há bloqueios nas estradas nesta segunda.

Por que a polícia não aplicou as multas mais altas?

O STF (Supremo Tribunal Federal) autorizou a aplicação de multas de R$ 100 mil por hora a transportadoras responsáveis pelos bloqueios nas estradas ou de R$ 10 mil por dia para caminhoneiros envolvidos no protesto. Mesmo assim, no balanço divulgado pela PRF (Polícia Rodoviária Federal) no domingo, nenhuma dessas multas havia sido aplicada. Os manifestantes haviam recebido apenas multas de trânsito, com valores que variam de R$ 5.000 a R$ 17 mil.

A PRF afirmou que não aplicou os valores autorizados pelo STF porque aguardava uma orientação da AGU (Advocacia-Geral da União) sobre como fazer essa cobrança. Na noite de ontem, a AGU enviou uma orientação à PRF, dizendo que os próprios policiais devem aplicar as multas.

Quem comanda o movimento?

A proposta de greve teria começado a circular espontaneamente nas redes sociais e grupos de Whatsapp de caminhoneiros, inflada pela insatisfação dos motoristas com a escalada dos preços do diesel.

Como a categoria dos autônomos é difusa, não existe uma organização que possa ser apontada como líder única da paralisação, mas há algumas entidades envolvidas, como a CNTA (Confederação Nacional dos Transportadores Autônomos), que congrega a maioria dos sindicatos de motoristas autônomos, a Abcam (Associação Brasileira de Caminhoneiros) e a Unicam (União Nacional dos Caminhoneiros do Brasil.

Esse caráter difuso acabou sendo um entrave para as negociações com o governo. Representantes dos caminhoneiros foram chamados à mesa, mas não existe garantia de que os autônomos vão concordar com os termos e cumprir o que foi determinado nas reuniões. Muitos dizem não ser representados por ninguém.

Por que há suspeita de locaute (greve de patrão)?

A rapidez com que a greve se alastrou pelo Brasil, a presença da CNT (Confederação Nacional do Transporte), entidade que representa as transportadoras, em reuniões com caminhoneiros e ministros, e o apoio de associações patronais ao movimento fizeram com que alguns especialistas avaliassem que a greve, na verdade, é um locaute. 

O termo se refere à prática de empresários de um setor de contribuir, incentivar ou orientar greve de trabalhadores para atender interesses dos patrões, e é proibida pela legislação brasileira.

O governo federal encampou essa suspeita e a Polícia Federal abriu 37 inquéritos em 25 estados para investigar o caso.

Na esfera administrativa, o Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) vai abrir um procedimento preliminar para investigar se houve atuação das transportadoras.

Em nota, a CNT afirmou que não participa, não incentiva nem apoia a paralisação de caminhoneiros, e que não tem conhecimento de empresas envolvidas no movimento.

"A presença de representantes da CNT nas reuniões com o governo federal foi a convite do Palácio do Planalto. O representante atuou como integrante do grupo de interlocução com as entidades representativas dos motoristas autônomos de caminhão, em busca de uma solução que levasse ao fim das paralisações", disse.

Quem participa da greve?

Participam da greve caminhoneiros autônomos, responsáveis pelo transporte de cargas pelas rodovias brasileiras. A paralisação teve também a adesão de caminhoneiros empregados em transportadoras, o que levantou a suspeita de incentivo das empresas ao movimento.

Conforme a greve foi se alastrando, outras categorias manifestaram apoio, como motoristas de vans escolares e motoboys, assim como entidades empresariais não diretamente ligadas aos caminhoneiros, como a Aprosoja (Associação dos Produtores de Soja e Milho de Mato Grosso).

O ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha, disse que há "infiltrados" na greve, pessoas com interesse político, que não seriam caminhoneiros. 

O presidente da Associação Brasileira dos Caminhoneiros (Abcam), José da Fonseca Lopes, afirmou que os que continuam protestando não defendem a categoria, mas querem "derrubar" o governo Temer.

Como ficou o acordo final?

A última versão do acordo proposto pelo governo vai muito além do preço do diesel. Com o poder de negociação turbinado pela abrangência dos protestos, os caminhoneiros conseguiram que o governo oferecesse, além da redução dos combustíveis, medidas que eles vinham reivindicando há anos, como o estabelecimento de um valor mínimo para o frete. Além disso, foram incluídos pontos que favorecem diretamente as empresas, e não os trabalhadores, como a promessa de não voltar a cobrar impostos sobre a folha de pagamento de empresas do setor.

Que medidas os caminhoneiros conseguiram para reduzir o preço do diesel?

O governo anunciou que vai cortar preço em R$ 0,46 por litro de diesel nas refinarias. A medida terá um impacto de R$ 9,5 bilhões no Orçamento. O corte será viabilizado por:

  • Corte de 10% no preço do diesel da Petrobras nas refinarias por 60 dias, subsidiado pelo governo;
  • Corte de impostos sobre o diesel. 

Os caminhoneiros também conseguiram que os reajustes da Petrobras não possam mais ser feitos diariamente, e sim a cada 30 dias.

O que eles pediram (e conseguiram) a mais?

Além de mexer nos preços do diesel, os autônomos conseguiram:

  • Isenção de pedágio pelo eixo suspenso de caminhões (quando o veículo roda vazio) em rodovias municipais, estaduais e federais;
  • Reserva de 30% do frete da Conab (Companhia Nacional de Abastecimento) para caminhoneiros autônomos;
  • Criação de uma tabela com preço mínimo para o valor do frete;
  • Negociar para que a Petrobras passe a permitir a contratação de autônomos no transporte de cargas;
  • Cumprir regras da ANTT sobre a renovação de frotas na contratação de transporte de carga;
  • Não voltar a cobrar imposto sobre a folha de pagamento de empresas do setor de transporte de carga;
  • Negociar para que os estados deixem de cobrar, nas rodovias estaduais, pedágio sobre eixo suspenso em caminhões vazios; se necessário, a União acionará a Justiça.

Por que a greve começou?

Os caminhoneiros autônomos estão de braços cruzados e bloqueando rodovias pelo país todo desde a segunda-feira da semana passada (21). Eles diziam que o alto preço do diesel estava tornando insustentável o transporte de cargas e pediam a redução do combustível. No final, negociaram para garantir bem mais que a queda no preço do diesel

Por que o diesel subiu tanto?

A disparada do diesel é reflexo de fatores internos e externos.

Internamente, tem papel central a nova política de preços da Petrobras. Desde julho do ano passado, a estatal reajusta os preços seguindo as movimentações no mercado internacional. Se o dólar ou o petróleo sobem, como tem acontecido, a petroleira rapidamente repassa o aumento para as refinarias. Essa política acarreta reajustes até diários.

De julho do ano passado até antes da greve, o preço do diesel nas refinarias acumulou alta de 57,78%, e a gasolina, de 57,34%. A inflação oficial no Brasil acumulada entre julho de 2017 e abril de 2018 (último dado disponível) foi de 2,68%.

Externamente, os preços do petróleo, definidos em dólar no mercado internacional, estão em alta devido a uma queda na produção e a tensões geopolíticas. A decisão do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, de rever o acordo nuclear com o Irã gerou temores de que os iranianos passem a produzir menos petróleo. O vaivém das negociações entre a Coreia do Norte e a diplomacia norte-americana também agrava esses temores, que acabam pressionando os preços do petróleo para cima.

Além disso, o dólar também está em alta no mundo todo, não só no Brasil. A economia norte-americana está crescendo e há expectativas de que o Fed (Federal Reserve, o banco central dos Estados Unidos) aumente as taxas de juros por lá para manter a inflação controlada. Juros mais altos tendem a atrair para os EUA recursos hoje aplicados em outros países, como o Brasil. A saída de dólares diminui a oferta da moeda por aqui, e sua cotação sobe.